Minha última matéria para a revista Época
saiu esta semana, com o título Energia duvidosa.
Fala sobre um suplemento esportivo da moda, o Jack3d, cuja venda é proibida
pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Com apenas uma página
para apresentar o produto e fazer ponderações sobre seus efeitos, não pude me
aprofundar numa discussão que acompanhou a maior parte das entrevistas que fiz
sobre o bendito: ao proibir no Brasil a venda de suplementos vendidos
livremente nos Estados Unidos, a Anvisa está nos protegendo de perigos reais ou
tratando como crime algo que deveria ser encarado como um mercado benéfico para
os praticantes de exercício físico?
Quem der uma olhada na versão online da
matéria vai poder conferir o tom dos comentários que começaram a aparecer por
lá. Revolta. O pessoal está defendendo que o mercado americano é que está
certo, com sua liberalidade e sua postura de boas vindas a uma infinidade de
produtos para os mais variados fins. E que a Anvisa está fazendo um péssimo
trabalho porque na verdade não entende patavinas sobre essas substâncias. Será?
Para fazer a matéria, eu conversei com a
Antonia Aquino, responsável pelo setor de alimentos especiais da Anvisa. Ela
falou da legislação nova, aprovada em 2010, que excluiu a categoria de
‘produtos para praticantes de atividades físicas’ e deixou apenas a de
‘alimentos para atletas’, na qual foi finalmente incluída a creatina, após anos
de muita revolta do pessoal do mundo esportivo, que tinha de comprar o
suplemento clandestinamente. Na visão da Anvisa, só os atletas têm motivos
reais para usar suplementos com creatina ou cafeína (dois dos ingredientes do
Jack3d). Quem apenas frequenta academia para cuidar da saúde, ficar sarado ou
emagrecer não precisa de suplemento nenhum. E daí que existem tantos produtos
que ajudam a enxugar as gorduras mais rapidamente ou fazer os músculos
crescerem? E daí que as pessoas gostam de acelerar os resultados? Para Aquino,
se não existe uma necessidade ou um benefício comprovado para a saúde, não faz
sentido liberar a venda. Seria por esse motivo que, mesmo com segurança
comprovada, muitos produtos teriam sua venda proibida no Brasil.
Aquino me disse que foi orientada a não se
basear na legislação americana para criar a nossa, pois a de lá “é muito
permissiva”, não pede comprovação de eficácia pra ninguém – só de segurança.
Disse que lá nos EUA o FDA (a Anvisa deles) só toma providências quando o
problema já aconteceu. Eu nunca fui pros Estados Unidos, mas já li a respeito
da presença maciça de suplementos até em supermercados. Eles tomam muito mais
vitaminas, minerais e compostos com finalidades esportivas do que nós, e
compram essas coisas com muito mais facilidade, sem esse impedimento que temos
nas lojinhas e farmácias. Eles são abençoados por um mercado liberal ou estão
correndo riscos seríssimos?
Obviamente, quem vende esse tipo de produto
no Brasil gostaria de vender mais. Ouvi de um comerciante (tão revoltado quanto
os comentaristas da matéria no site da Época) e da secretária da Abenutri
(Associação Brasileira das Empresas de Produtos Nutricionais) vários argumentos
em defesa da abertura desse mercado. Eles dizem que nossa legislação está
defasada e que a Anvisa comete uma série de incoerências ao aprovar e
desaprovar muitos produtos. Eles não entendem, por exemplo, por que a Anvisa
proibiu o Jack3d (da USPlabs) e aprovou o Super Charge (da Labrada), produto
bastante parecido.
Falei com a importadora dos produtos da
Labrada, a GT Comercial, que fica em Santos (SP). Eles disseram que o Super
Charge teve de passar por adaptações para ser aprovado no Brasil, mas não
quiseram me contar quais foram. No rótulo do Super Charge, os ingredientes não
são declarados. Essa é uma prática comum. No lugar do nome das substâncias,
eles botam apenas “proprietary blend” e pronto. Você fica sem saber exatamente
do que o produto é feito. Então como a Anvisa permite a venda de produtos cuja
formulação não está declarada? Só para proteger o segredo comercial da empresa? Também
permite que os rótulos traduzidos, colados por cima do original em inglês,
tragam informações incompletas. Pois é. Eu acho realmente estranha essa regalia
que nossas autoridades permitem às indústrias de suplementos e alimentos. Eles
têm direito de esconder da gente o que estão vendendo. E nós não temos o
direito de reclamar.
Tentei saber da USPlabs do que o Jack3d é
feito e tive a mesma resposta. O diretor da empresa me ligou dos EUA em
resposta ao meu e-mail, na última terça-feira. Foi muito simpático e até falou
uma frase em português comigo ao telefone (é casado com uma baiana, e seu sogro
mora em São Paulo). Mas não me contou uma vírgula a mais sobre a composição de
seu produto mais famoso hoje.
Numa rápida pesquisada na internet, é
possível achar um monte de fóruns e artigos comentando os efeitos de inúmeros
suplementos. Há entusiastas comemorando resultados estéticos incríveis e
estudiosos alertando contra os seus perigos. A internet é tão usada para buscar
informações sobre ele que até um médico que procurei tinha retirado de lá tudo
que me disse.
O que pude concluir nesse meu rápido
mergulho no mundo obscuro dos suplementos é que o bla-bla-bla propagandístico
se espalha muito facilmente e que as informações confiáveis, comprovadas
cientificamente, são bem mais difíceis de encontrar. Nem com a Anvisa elas
estão, uma vez que, se você quiser pesquisar no site da agência sobre os
produtos aprovados ou proibidos, não vai encontrar quase nada. O que, no meu
ver, favorece que os interessados busquem informação com quem está mais
interessado em vender do que zelar pela nossa saúde.
Então onde estão as informações confiáveis?
Nos laboratórios isentos, nos papers saídos das universidades, na cabeça de
profissionais atualizados que não tenham o rabo preso com nenhum fabricante de
suplementos. Difícil demais o acesso? Concordo. Mas, num mercado em que todo
mundo parece ter algo a esconder, a melhor maneira de se informar é ir direto à
fonte.
Um comentário:
Ótimo artigo Francine. Sou dono de uma importadora e tenho tentado trazer uma marca de suplementos para o Brasil da maneira legal (formulação, rotulagem e etc). A dificuldade é tanta e vejo tanta empresa trazendo produtos da forma errada para o país, que parece que a ANVISA não se importa muito com suas próprias regras, o que dificulta muito a vida dos fabricantes corretos.
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