6 de jun. de 2011

O mercado obscuro dos suplementos


Minha última matéria para a revista Época saiu esta semana, com o título Energia duvidosa. Fala sobre um suplemento esportivo da moda, o Jack3d, cuja venda é proibida pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Com apenas uma página para apresentar o produto e fazer ponderações sobre seus efeitos, não pude me aprofundar numa discussão que acompanhou a maior parte das entrevistas que fiz sobre o bendito: ao proibir no Brasil a venda de suplementos vendidos livremente nos Estados Unidos, a Anvisa está nos protegendo de perigos reais ou tratando como crime algo que deveria ser encarado como um mercado benéfico para os praticantes de exercício físico?


Quem der uma olhada na versão online da matéria vai poder conferir o tom dos comentários que começaram a aparecer por lá. Revolta. O pessoal está defendendo que o mercado americano é que está certo, com sua liberalidade e sua postura de boas vindas a uma infinidade de produtos para os mais variados fins. E que a Anvisa está fazendo um péssimo trabalho porque na verdade não entende patavinas sobre essas substâncias. Será?

Para fazer a matéria, eu conversei com a Antonia Aquino, responsável pelo setor de alimentos especiais da Anvisa. Ela falou da legislação nova, aprovada em 2010, que excluiu a categoria de ‘produtos para praticantes de atividades físicas’ e deixou apenas a de ‘alimentos para atletas’, na qual foi finalmente incluída a creatina, após anos de muita revolta do pessoal do mundo esportivo, que tinha de comprar o suplemento clandestinamente. Na visão da Anvisa, só os atletas têm motivos reais para usar suplementos com creatina ou cafeína (dois dos ingredientes do Jack3d). Quem apenas frequenta academia para cuidar da saúde, ficar sarado ou emagrecer não precisa de suplemento nenhum. E daí que existem tantos produtos que ajudam a enxugar as gorduras mais rapidamente ou fazer os músculos crescerem? E daí que as pessoas gostam de acelerar os resultados? Para Aquino, se não existe uma necessidade ou um benefício comprovado para a saúde, não faz sentido liberar a venda. Seria por esse motivo que, mesmo com segurança comprovada, muitos produtos teriam sua venda proibida no Brasil.

Aquino me disse que foi orientada a não se basear na legislação americana para criar a nossa, pois a de lá “é muito permissiva”, não pede comprovação de eficácia pra ninguém – só de segurança. Disse que lá nos EUA o FDA (a Anvisa deles) só toma providências quando o problema já aconteceu. Eu nunca fui pros Estados Unidos, mas já li a respeito da presença maciça de suplementos até em supermercados. Eles tomam muito mais vitaminas, minerais e compostos com finalidades esportivas do que nós, e compram essas coisas com muito mais facilidade, sem esse impedimento que temos nas lojinhas e farmácias. Eles são abençoados por um mercado liberal ou estão correndo riscos seríssimos?

Obviamente, quem vende esse tipo de produto no Brasil gostaria de vender mais. Ouvi de um comerciante (tão revoltado quanto os comentaristas da matéria no site da Época) e da secretária da Abenutri (Associação Brasileira das Empresas de Produtos Nutricionais) vários argumentos em defesa da abertura desse mercado. Eles dizem que nossa legislação está defasada e que a Anvisa comete uma série de incoerências ao aprovar e desaprovar muitos produtos. Eles não entendem, por exemplo, por que a Anvisa proibiu o Jack3d (da USPlabs) e aprovou o Super Charge (da Labrada), produto bastante parecido.

Falei com a importadora dos produtos da Labrada, a GT Comercial, que fica em Santos (SP). Eles disseram que o Super Charge teve de passar por adaptações para ser aprovado no Brasil, mas não quiseram me contar quais foram. No rótulo do Super Charge, os ingredientes não são declarados. Essa é uma prática comum. No lugar do nome das substâncias, eles botam apenas “proprietary blend” e pronto. Você fica sem saber exatamente do que o produto é feito. Então como a Anvisa permite a venda de produtos cuja formulação não está declarada? Só para proteger o segredo comercial da empresa? Também permite que os rótulos traduzidos, colados por cima do original em inglês, tragam informações incompletas. Pois é. Eu acho realmente estranha essa regalia que nossas autoridades permitem às indústrias de suplementos e alimentos. Eles têm direito de esconder da gente o que estão vendendo. E nós não temos o direito de reclamar.

Tentei saber da USPlabs do que o Jack3d é feito e tive a mesma resposta. O diretor da empresa me ligou dos EUA em resposta ao meu e-mail, na última terça-feira. Foi muito simpático e até falou uma frase em português comigo ao telefone (é casado com uma baiana, e seu sogro mora em São Paulo). Mas não me contou uma vírgula a mais sobre a composição de seu produto mais famoso hoje.

Numa rápida pesquisada na internet, é possível achar um monte de fóruns e artigos comentando os efeitos de inúmeros suplementos. Há entusiastas comemorando resultados estéticos incríveis e estudiosos alertando contra os seus perigos. A internet é tão usada para buscar informações sobre ele que até um médico que procurei tinha retirado de lá tudo que me disse.

O que pude concluir nesse meu rápido mergulho no mundo obscuro dos suplementos é que o bla-bla-bla propagandístico se espalha muito facilmente e que as informações confiáveis, comprovadas cientificamente, são bem mais difíceis de encontrar. Nem com a Anvisa elas estão, uma vez que, se você quiser pesquisar no site da agência sobre os produtos aprovados ou proibidos, não vai encontrar quase nada. O que, no meu ver, favorece que os interessados busquem informação com quem está mais interessado em vender do que zelar pela nossa saúde.

Então onde estão as informações confiáveis? Nos laboratórios isentos, nos papers saídos das universidades, na cabeça de profissionais atualizados que não tenham o rabo preso com nenhum fabricante de suplementos. Difícil demais o acesso? Concordo. Mas, num mercado em que todo mundo parece ter algo a esconder, a melhor maneira de se informar é ir direto à fonte.

Um comentário:

Unknown disse...

Ótimo artigo Francine. Sou dono de uma importadora e tenho tentado trazer uma marca de suplementos para o Brasil da maneira legal (formulação, rotulagem e etc). A dificuldade é tanta e vejo tanta empresa trazendo produtos da forma errada para o país, que parece que a ANVISA não se importa muito com suas próprias regras, o que dificulta muito a vida dos fabricantes corretos.