22 de fev. de 2013

As marcas que mais (des)respeitam o consumidor


Quando eu vi na revista Consumidor Moderno deste mês os resultados da décima edição da pesquisa "As empresas que mais respeitam o consumidor no Brasil", fiquei um tanto chocada. Gente, eu acho que o brasileiro está com a autoestima baixa. Por muito pouco as pessoas se sentem respeitadas!

Veja só: Coca-Cola e Nestlé há anos estão entre as marcas mais citadas no quesito respeito nas pesquisas da Shopper Experience. Quer dizer então que a Coca-Cola respeita o consumidor... Sei. Mas o que é "respeito" na cabeça de quem respondeu a pesquisa?



Conversei com a Stella Susskind, presidente da Shopper Experience e coordenadora da pesquisa. Ela me disse que o consumidor se sente respeitado quando consome um produto "de qualidade", quando a marca entrega o que promete, quando a embalagem é fácil de abrir, quando a experiência de consumo é agradável e não traz nenhum problema, ou quando o problema que surge é rapidamente solucionado. Consumidor respeitado é, portanto, quase o mesmo que consumidor mimado, certo?

Quer dizer, respeitar o consumidor não tem nada a ver com contribuir ou não com o aumento da obesidade no mundo todo, nem com fazer de tudo para mães em países em desenvolvimento deixarem de amamentar seus bebês e, em vez disso, dar a eles "fórmulas infantis" industrializadas. Respeitar o consumidor também não tem nada a ver com ser honesto sobre os efeitos dos produtos da marca na saúde, nem com não bombardear as crianças com publicidade de produtos viciantes. Não. Respeito é uma questão meramente de entregar o que o consumidor quer, na hora que ele quer, sem causar nenhum tipo de transtorno. 

E a pesquisa mostra que o consumidor quer produtos de qualidade. E vamos combinar que "qualidade" na cabeça desse consumidor tem a ver com as marcas mais conhecidas, ou seja, com o poder do marketing dessas marcas. A Coca-Cola é simplesmente a marca mais lembrada no mundo todo, e também a que vale mais milhões de dólares. A Nestlé é uma das marcas de alimentos mais antigas do mundo e sua imagem é a de marca superior. A dona de casa que era pobre e subiu  à classe C, que antes comprava leite condensado genérico, agora se orgulha de comprar Leite Moça e acha que com isso está cuidando melhor da sua família. Foi o que a Stella me disse. 

Então é assim que o consumidor pensa. Ele quer ser mimado pelas marcas famosas. Ele acha que, ao consumir marcas famosas, está se dando o respeito. Estou vendo que não vai ser nada fácil convencer esse pessoal de que a realidade não é essa. Não vai ser na base da informação dura, racionalzona, que a gente vai conseguir que esse pessoal se dê conta de que a gente precisa de muito mais respeito do que isso para ser uma nação decente. 

Pois eu me sinto profundamente desrespeitada pela Coca-Cola quando ela associa seu principal produto com felicidade. Quando ela usa a figura mitológica do Papai Noel para promover veneno doce. Quando ela diz que tomar água de garrafa reciclável é um jeito de cuidar do planeta. 

Eu me sentiria desrespeitada pela Nestlé se tivesse um filho e, como tantas mães, tivesse confundido o leite em pó tradicional com a versão adoçada com xarope de milho com alto teor de frutose, por serem as embalagens dos dois produtos tão parecidas

Eu me sinto desrespeitada quando leio sobre fusões na indústria de alimentos, quando descubro tentativas de me enganar nos rótulos, quando fico sabendo das estratégias usadas pela indústria de alimentos para induzir as pessoas a piorar sua alimentação em nome do lucro. 

Mas pelo jeito as pessoas que partiparam da pesquisa da Shopper Experience não estão ligadas em nada disso. Caramba, vai dar trabalho. 

6 comentários:

udo.map disse...

Olá! Cheguei até aqui pelo FB de alguém...
Outra coisa são produtos que vão encolhendo. Ficam na mesma faixa de preço por muito tempo ou, parece que ficam mais baratos.
Barras de chocolate e papel higiênico. E não adianta trocar de marca. Fica difícil comparar uma marca que vende pacote de 8 rolos de 40m por R$11,58 com outra que vende 12 rolos de 30m por R$13,45 e com 15% de desconto. Pega outra de 4x60m por R$7,80 e um quarto concorrente ultra-fofinho de 6x40 por $10,57 (por exemplo)

Flávio S. B. disse...

Com certeza é um grande desrespeito contínuo e vergonhoso. Estas empresas gastam muitos bilhões para aprender como os consumidores pensam e agem. Se eles mudarem, elas vão se adaptar também para continuar vendendo, para permanecerem "vivas". Algumas até se antecipam ou causam as mudanças. Neste caso, mudar os consumidores não adianta nada pq a capacidade de adaptação de uma grande empresa é muito maior do que a da massa de consumidores. A comparação entre preços de produtos deve ser sempre feita por litro/mililitro, quilo/grama etc. No final das contas, o que funciona mesmo é cada um se informar e decidir o que comprar e consumir. Se a pessoa ganha rios de dinheiro, não se informa e continua comprando/consumindo produtos que fazem mal a ela, então ela não é nada mais do que a engrenagem de uma máquina construída para viver às custas desta pessoa.

Francine Lima disse...

Oi, ciclistas! Bem-vindos e obrigada pela visita.

Udo (nome estranho esse... rs), comparar produtos é mesmo difícil se a gente não tem um banco de dados à mão. Opa! Quem sabe um dia alguém (alguém...) apareça com um desses pra gente rastrear melhor as mudanças, não?

E, Flávio, você tocou num ponto importante. As empresas dão um jeito de se adaptar e convencer-nos de que estão fazendo exatamente o que a gente espera delas. O greenwashing tá aí pra isso, né? E é por isso que a gente tem de ficar sempre de olhos bem abertos, fuçando em tudo e escancarando as meias verdades.

Adorei que vocês vieram. Voltem!

Flávio S. B. disse...

Já faz alguns anos que fiz um doc no excel e anoto os preços com o objetivo de ver a evolução ao longo dos anos. Anoto tudo de maneira "meio que" padronizada. Seria interessante mesmo, se houvesse algum site com os preços dos produtos em vários pontos do país/mundo e os consumidores pudesse facilmente comparar entre locais e entre tempos diferentes.

Ricardo disse...

Oi Francine,
Parabéns pelo trabalho e área de interesse. Legal! Qual sua idéia para resolver esse problema do que é bom pra cada um? Se o consumidor respeita a marca por achar que ela entrega "qualidade" (talvez uma mistura confusa na cabeça dele de conceito afetivos, publicitários e de ascensão social) a alternativa é regular todo o setor? E o consumidor que quer água com açucar e corante? E o que quer a fantasia publicitária da família margarina? Vai achar onde? Tenho consciência do abismo conceitual e de auto percepção entre a situação atual e a que gostaríamos de ver. Mas também morro de medo desse jeito Ibérico de resolver na canetada com 1 dúzia de regulamentações e meia dúzia de burocratas dizendo o que podemos e o que não podemos fazer.

Vanessa disse...

Um ponto importante apontado no texto é que estratégias como essa são adotadas buscando o lucro.
Não acredito que seja "pura maldade" o fabricante enganar o consumidor e deixar uma legião de doentes (obesos, desnutridos, hipertensos) por aí.
Alterações individuais no padrão de consumo também não são efetivas a nível de população. É preciso sim mais regulação e transparência, ao menos ao que se refere à alimentação.
Solução efetiva? Só se comida fosse feita para nutrição e não pra vender.