12 de jul. de 2013

A festa do pink

Campanha de saúde ou propaganda em parque público?


Era um manhã ensoladara de inverno, e pelo menos dois programas matinais de TV já haviam anunciado o evento, para que o público começasse a chegar pouco mais tarde. O convite era para que a população viesse ao Parque do Ibirapuera, em São Paulo, para fazer exames gratuitos de densidade óssea e descobrir a que distância estava de uma osteoporose. 

Dentro de um caminhão, máquinas e fisioterapeutas de jaleco cedidos pela GE examinariam os interessados, em fila, que depois receberiam orientações sobre alimentação e exercícios físicos. 



E tudo ali era pink. A lataria externa do caminhão estava coberta de pink. Os painéis com dicas do lado de dentro eram pinks. A tela dos tablets com um questionário para os visitantes preencherem era pink. No local da entrevista coletiva para a imprensa, vasos e uma mesa eram cor de rosa choque. Até a blusa da médica especialista em osteoporose era pink. 


Porque pink é a cor da embalagem do "iogurte" Densia, da Danone, que patrocina a campanha. Não só a cor, mas o nome da marca estava por toda parte, em meio a joguinhos e informações sobre a doença dos ossos. E é claro que a sugestão de consumir mais iogurte estava lá no meio das dicas. Ainda mais um "iogurte" com 50% das necessidades diárias de cálcio de um adulto, certo? A Danone não teria por que patrocinar uma campanha se não fosse para lucrar com isso, teria?

Quando lançou o Densia, em 2011, a Danone tinha a meta de aumentar o consumo de iogurtes per capita no Brasil em 50%, segundo que foi divulgado na época. A empresa considera baixo o nosso consumo atual, que seria de 7 quilos per capita, já que as pesquisas deles mostram que os franceses  consomem 30 quilos de iogurte por ano. A meta atualizada da marca é convencer os brasileiros a aumentar para 8,8 quilos o seu consumo anual no período entre 2013 e 2016. 

Então, do ponto de vista da marca, expor seu produto num caminhão pink em praças e parques públicos de diversas cidades brasileiras (São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Curitiba, Campinas) em finais de semana, e com a ajuda da mídia televisiva mais poderosa deste país, é uma estratégia bastante interessante para alcançar sua meta, certo? E pelo visto é bem fácil para ela conseguir essa exposição toda.

A administração do Parque do Ibirapuera me disse que existem regras para a exposição de produtos e marcas dentro do parque. Não é permitido, por exemplo, distribuir produtos. Então Densia de graça foi só para os jornalistas; os demais visitantes do caminhão só passariam vontade. A coordenadora de eventos do Parque me disse também que quem controla como as marcas podem interferir na paisagem do lugar é a Comissão Permanente de Proteção à Paisagem Urbana (CPPU).

Posso deduzir, portanto, que está totalmente permitido que um caminhão pink, um osso inflável gigante e um palco fiquem estacionados por três dias dentro do parque público expondo a marca de um "iogurte" em meio a orientações sobre a prevenção de osteoporose?



Eu não vejo muito problema em incentivar o consumo de iogurtes DE VERDADE. Mas vejo  um  problema sério em usar uma campanha de saúde para inventivar o consumo de um produto industrializado que contém corante, açúcar, adoçante artificial, amido e outros componentes que não entram na receita de um iogurte caseiro. 


E me preocupa que o poder público não veja problema nenhum em deixar esse tipo de decisão nas mãos da administração de um parque, que responde à Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, não à Secretaria de Saúde. Se eu fosse uma autoridade no setor de saúde, não deixaria marca de alimentos nenhuma ditar o que a população deve ou não consumir. No meu ver, isso é conflito de interesses, não uma política de alimentação e nutrição, como deveria ser. 



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