Qual a diferença entre informação e
propaganda? É isso que todos nós precisamos saber ao entrar num
supermercado. Nos últimos anos, a quantidade de informação disponível
sobre os alimentos tem aumentado, disputando espaço com a propaganda e
também se misturando com ela. Palavras como "saudável", "vitaminado" ou
"nutritivo", antes rapidamente entendidas como virtudes, passaram a ser
lidas e ouvidas com mais senso crítico. O consumidor mais bem informado
passou a querer entender melhor o que precisava haver nos produtos para
que merecêssem - ou não - adjetivos como esses. Será que é saudável
mesmo? Tem vitamina suficiente? E então veio o poder público exigir que
os fabricantes dessem ao consumidor um tipo de informação que antes
ninguém tinha: a lista completa de ingredientes e a tabela nutricional
de seus produtos.
Um conjunto de resoluções e portarias
criadas no Ministério da Saúde na última década e fiscalizadas pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária determina quais informações
devem aparecer no rótulo de cada tipo de produto alimentício. As
informações obrigatórias são as que fazem diferença para a saúde das
pessoas, como por exemplo a quantidade de carboidrato num produto que
poderá ser perigoso para diabéticos. Outra atribuição da legislação de
alimentos tem sido restringir o tipo de mensagem que pode aparecer nas
embalagens, a fim de evitar que o consumidor seja enganado ou se
confunda. As alegações "saudável", "vitaminado" e "nutritivo" já não
podem ser incluídas no rótulo sem mais nem menos. Hoje, por lei, tudo
que está escrito nas embalagens deve ser verdade. Agora, há palavras
certas a usar e tudo que for alegado deve estar de acordo com a tabela
nutricional. E com a legislação.
A boa intenção do
governo com essa legislação é que os consumidores tirem sozinhos as suas
conclusões ao ler as tabelas nutricionais. Seria bárbaro se todo mundo
conseguisse interpretar todos aqueles números e decidisse sua compra com
base em um conhecimento adquirido por meio dos rótulos. Acontece que,
por mais científica que essa informação hoje disponível possa ser, ela
nem sempre nos ajuda mais do que a propaganda a fazer as escolhas
certas.
Aconteceu comigo pouco tempo atrás. Tinha parado
definitivamente de tomar leite de vaca e precisava obter cálcio de
outros alimentos. Meu médico havia sugerido tomar leite de soja
enriquecido, pois os comuns não têm cálcio. Então eu procuraria a marca
que me oferecesse a maior quantidade de cálcio por porção.
Encontrei
poucas opções no mercado. Duas delas, do mesmo fabricante. Comparei as
embalagens. Os dois produtos tinham o mesmo nome e algumas diferenças
gráficas na embalagem, mas eram ambos leite de soja enriquecido.
Comparei as duas tabelas nutricionais. Uma delas dizia haver 300
miligramas de cálcio em cada 30 gramas de produto, o que equivalia a 30%
das necessidades diárias. A outra versão dizia haver 241 miligramas de
cálcio em cada 26 gramas de produto, o que equivalia a 40% das
necessidades diárias.
Espere aí, pensei. Como era
possível? Como uma quantidade menor de cálcio poderia equivaler a um
percentual maior das minhas necessidades diárias? Havia algo de errado
ali, imaginei. Ou aquele rótulo estava mentindo, ou alguma informação
estava faltando.
Minha hipótese não era que o fabricante
mentira -- mentir seria cara de pau demais em tempos de legislação tão
rígida. Minha suspeita era que o produto com 241 miligramas de cálcio na
porção de 26 gramas trazia no rótulo uma tabela nutricional baseada
numa dieta infantil. Afinal, segundo o que eu já havia apurado no meu
trabalho, as crianças precisam de menos cálcio do que os adultos. Só
isso poderia justificar que menos significasse mais.
Acontece
que na embalagem daquele produto supostamente infantil não havia nada,
absolutamente nada, que sugerisse que ele deveria ser consumido por
crianças e não adultos. Nem uma frase, nem um desenho, nada.
Sem
comprar nenhum dos dois, anotei o telefone do SAC para telefonar
depois. E, mais tarde, consegui falar com a nutricionista da empresa,
que me tirou a teima. De fato, como eu havia deduzido, o leite de soja
com menos cálcio era um produto mais adequado para crianças do que para
adultos e por isso a tabela nutricional se referia a uma dieta infantil.
Mas então por que não avisam isso no rótulo, poxa vida? O motivo, me
explicou ela, é que a legislação nova não exige essa informação.
Há
pouco tempo, esse mesmo leite de soja com menos cálcio trazia
bonequinhos desenhados perto do logotipo, indicando o público-alvo. Não
pode mais. A nova legislação proibiu os fabricantes de apelarem para
personagens fofinhos como argumento para vender para as crianças. A
intenção era boa. Pretendia-se evitar que crianças inocentes e mal
informadas fossem seduzidas por propagandas e alegações falsas e
induzidas a consumir alimentos nutricionalmente inadequados. De fato, a
sedução indecente de menores precisava mesmo de um freio. Mas nem tudo
que sorri na embalagem é propaganda enganosa.
Tudo
que é mentira merece ser desmascarado. Tudo que é verdade merece ser
escancarado. O problema é não colocarem nada no lugar da propaganda e
deixarem lá um buraco, um vazio, uma ausência de informação, numa aposta
de que o consumidor vai entender tudo sozinho mesmo sem ter feito
faculdade de nutrição, mesmo nem tendo terminado o ensino fundamental. É
para criança ou não é? Serve para mim ou não serve? Fica mais fácil
entender quando a informação vem numa embalagem mais compreensível.
Isso, sim, é honestidade com o consumidor.
(Originalmente publicado em www.epoca.com.br)
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