29 de out. de 2009

Embalagens transparentes?

Qual a diferença entre informação e propaganda? É isso que todos nós precisamos saber ao entrar num supermercado. Nos últimos anos, a quantidade de informação disponível sobre os alimentos tem aumentado, disputando espaço com a propaganda e também se misturando com ela. Palavras como "saudável", "vitaminado" ou "nutritivo", antes rapidamente entendidas como virtudes, passaram a ser lidas e ouvidas com mais senso crítico. O consumidor mais bem informado passou a querer entender melhor o que precisava haver nos produtos para que merecêssem - ou não - adjetivos como esses. Será que é saudável mesmo? Tem vitamina suficiente? E então veio o poder público exigir que os fabricantes dessem ao consumidor um tipo de informação que antes ninguém tinha: a lista completa de ingredientes e a tabela nutricional de seus produtos.

Um conjunto de resoluções e portarias criadas no Ministério da Saúde na última década e fiscalizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária determina quais informações devem aparecer no rótulo de cada tipo de produto alimentício. As informações obrigatórias são as que fazem diferença para a saúde das pessoas, como por exemplo a quantidade de carboidrato num produto que poderá ser perigoso para diabéticos. Outra atribuição da legislação de alimentos tem sido restringir o tipo de mensagem que pode aparecer nas embalagens, a fim de evitar que o consumidor seja enganado ou se confunda. As alegações "saudável", "vitaminado" e "nutritivo" já não podem ser incluídas no rótulo sem mais nem menos. Hoje, por lei, tudo que está escrito nas embalagens deve ser verdade. Agora, há palavras certas a usar e tudo que for alegado deve estar de acordo com a tabela nutricional. E com a legislação.

A boa intenção do governo com essa legislação é que os consumidores tirem sozinhos as suas conclusões ao ler as tabelas nutricionais. Seria bárbaro se todo mundo conseguisse interpretar todos aqueles números e decidisse sua compra com base em um conhecimento adquirido por meio dos rótulos. Acontece que, por mais científica que essa informação hoje disponível possa ser, ela nem sempre nos ajuda mais do que a propaganda a fazer as escolhas certas.

Aconteceu comigo pouco tempo atrás. Tinha parado definitivamente de tomar leite de vaca e precisava obter cálcio de outros alimentos. Meu médico havia sugerido tomar leite de soja enriquecido, pois os comuns não têm cálcio. Então eu procuraria a marca que me oferecesse a maior quantidade de cálcio por porção.

Encontrei poucas opções no mercado. Duas delas, do mesmo fabricante. Comparei as embalagens. Os dois produtos tinham o mesmo nome e algumas diferenças gráficas na embalagem, mas eram ambos leite de soja enriquecido. Comparei as duas tabelas nutricionais. Uma delas dizia haver 300 miligramas de cálcio em cada 30 gramas de produto, o que equivalia a 30% das necessidades diárias. A outra versão dizia haver 241 miligramas de cálcio em cada 26 gramas de produto, o que equivalia a 40% das necessidades diárias.

Espere aí, pensei. Como era possível? Como uma quantidade menor de cálcio poderia equivaler a um percentual maior das minhas necessidades diárias? Havia algo de errado ali, imaginei. Ou aquele rótulo estava mentindo, ou alguma informação estava faltando.

Minha hipótese não era que o fabricante mentira -- mentir seria cara de pau demais em tempos de legislação tão rígida. Minha suspeita era que o produto com 241 miligramas de cálcio na porção de 26 gramas trazia no rótulo uma tabela nutricional baseada numa dieta infantil. Afinal, segundo o que eu já havia apurado no meu trabalho, as crianças precisam de menos cálcio do que os adultos. Só isso poderia justificar que menos significasse mais.

Acontece que na embalagem daquele produto supostamente infantil não havia nada, absolutamente nada, que sugerisse que ele deveria ser consumido por crianças e não adultos. Nem uma frase, nem um desenho, nada.

Sem comprar nenhum dos dois, anotei o telefone do SAC para telefonar depois. E, mais tarde, consegui falar com a nutricionista da empresa, que me tirou a teima. De fato, como eu havia deduzido, o leite de soja com menos cálcio era um produto mais adequado para crianças do que para adultos e por isso a tabela nutricional se referia a uma dieta infantil. Mas então por que não avisam isso no rótulo, poxa vida? O motivo, me explicou ela, é que a legislação nova não exige essa informação.

Há pouco tempo, esse mesmo leite de soja com menos cálcio trazia bonequinhos desenhados perto do logotipo, indicando o público-alvo. Não pode mais. A nova legislação proibiu os fabricantes de apelarem para personagens fofinhos como argumento para vender para as crianças. A intenção era boa. Pretendia-se evitar que crianças inocentes e mal informadas fossem seduzidas por propagandas e alegações falsas e induzidas a consumir alimentos nutricionalmente inadequados. De fato, a sedução indecente de menores precisava mesmo de um freio. Mas nem tudo que sorri na embalagem é propaganda enganosa.

Tudo que é mentira merece ser desmascarado. Tudo que é verdade merece ser escancarado. O problema é não colocarem nada no lugar da propaganda e deixarem lá um buraco, um vazio, uma ausência de informação, numa aposta de que o consumidor vai entender tudo sozinho mesmo sem ter feito faculdade de nutrição, mesmo nem tendo terminado o ensino fundamental. É para criança ou não é? Serve para mim ou não serve? Fica mais fácil entender quando a informação vem numa embalagem mais compreensível. Isso, sim, é honestidade com o consumidor.

(Originalmente publicado em www.epoca.com.br)

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