5 de nov. de 2009

Sexismo na malhação

Pergunte a qualquer ser humano brasileiro do sexo masculino que se declare heterossexual o que ele acha sobre fazer exercícios para fortalecer os glúteos. Ele inflará o peito, engrossará a voz e dirá que é claro que não faz e não faria, porque é homem e portanto não precisa. Experimente então questionar por que ele se recusa a executar especificamente aquele exercício em que é preciso apoiar um joelho e as duas mãos no colchonete e estender a outra perna para trás, deixando os glúteos, digamos, um pouco expostos. Aquele exercício muito conhecido e repetido pelas mulheres jovens, você sabe. E ele continuará dizendo que é porque não precisa, e olhará para os lados, com uma certa vergonha. É como se esse tipo de exercício pertencesse ao sexo feminino, e essa fronteira não devesse ser ultrapassada, a não ser pelos gays. Mas esse é um tabu que não corresponde à anatomia, à ciência nem à preferência das mulheres que gostam de homens.

Experimentei lançar essas perguntas entre professores de musculação, e a reação foi exatamente essa que acabo de descrever acima. Nem mesmo eles admitiam a possibilidade de incluir o tal do “três apoios” em suas próprias séries de exercícios. Mas esses mesmos professores sempre indicam o “glúteo três apoios” (mais conhecido como “quatro apoios”, embora haja somente três apoios, uma vez que uma das pernas está fora do chão) para suas alunas do sexo feminino. Elas, sim, precisam?

Vamos, primeiro, entender o que esse verbo “precisar” significa nesse contexto. Quando um educador físico estuda condição física do seu aluno ou de sua aluna, ele conclui que esse aluno ou essa aluna precisa de um conjunto de exercícios para fortalecer ou alongar vários grupos musculares, além de condicionar tendões, lubrificar articulações e por aí vai. Homens e mulheres não têm, desse ponto de vista, necessidades muito diferentes. Ambos os sexos (independentemente da orientação sexual, vale lembrar) precisam de um aparelho locomotor fortalecido e condicionado para ter saúde e qualidade de vida. Isso inclui trabalhar os glúteos. De novo, independentemente do sexo e da sexualidade. Portanto, do ponto de vista do professor da musculação, alunos e alunas precisam igualmente de exercícios para os glúteos, seja em três apoios ou não.

O professor de musculação Cyro Borges, ele mesmo um não praticante de três apoios, me explicou que “os exercícios para os glúteos, isquiotibiais e paravertebrais são de extrema importância para dar sustentação à coluna vertebral, além de evitar e tratar a dor lombar crônica”. Traduzindo: a musculatura do quadril e das costas é quem segura a coluna no lugar. Se essa carne toda está flácida, os ossos não ficam tão firmes no lugar quanto deveriam. Uma das consequências dessa movimentação indesejada das vértebras pode ser a dor lombar. Quer dizer, se você tiver essa dor, talvez o médico jamais diga isso, mas pode ser que algum educador físico pense que você é um bunda mole.

 
E eu posso afirmar, porque sou do sexo feminino, que mulher não gosta de homem bunda mole. E isso me leva ao segundo significado do verbo precisar no que se refere aos exercícios para os glúteos.

Todo mundo parece concordar com a tese de que mulher precisa treinar os glúteos, inclusive com o três apoios. Afinal, a bunda é o grande patrimônio nacional, é o quesito que não pode faltar a uma brasileira que se preze. Não é? Precisa tanto que não há problema nenhum em se ajoelhar, botar a lua para cima e se sujeitar a tal posição degradante diante dos olhos dos demais clientes da academia. Para nós, não há de ser degradante só porque gozamos depois do prestígio que nos cabe ao homenagear a preferência masculino-brasileira por glúteos redondos e empinados?

Nos meus primeiros anos como praticante de ginástica, na adolescência, a regra era essa. Eu fazia uma aula de “ginástica localizada” com mais alunas do que alunos, e normalmente os homens ficavam no fundo da sala. Na hora dos glúteos, nós nos rebaixávamos aos nossos colchonetes, enquanto os homens, com uma visão panorâmica de nossas bundas à sua frente, faziam outro exercício qualquer proposto pelo professor. E ninguém questionava nada. Quem tivesse vergonha que a engolisse.

Mas desconfio que havia ali, nas cabeças femininas, um desejo calado. Nem tanto o de que tivéssemos mais privacidade, mas o de que os homens se unissem a nós em nome de um desejo comum.

É sabido que a bunda é uma das partes do corpo do homem preferidas pelas mulheres. Uma edição da revista Marie Claire do ano passado estampou os mais diversos exemplares de nádegas masculinas – nuas, claro – para a avaliação e o deleite das leitoras. A matéria foi muito bem-vinda para explicitar esse desejo que não é só deles. Nós não só apreciamos como somos capazes de incluir um traseiro bem feito na lista de pré-requisitos na hora da paquera. Nós também temos nosso jeitinho para virar o pescoço e medir o derrière quando um gato passa na rua. E, depois que a paquera rendeu e nos levou para a cama, um par de glúteos caprichados tem um efeito especial em nossa satisfação.

Por que, então, nossos cobiçados pares continuam se recusando a dedicar alguns minutos de sua atividade física à apreciação feminina?

Os professores de musculação que eu consultei me contaram que seus alunos treinam os glúteos, sim. Mas só com exercícios “discretos”. Ou seja, que não se destinam específica ou explicitamente a tornear as “maçãs do paraíso”, como diz a matéria da Marie Claire. Agachamento, stiff, lower back, avanço, recuo, bicicleta e corrida, todos esses “pegam” o glúteo de uma forma ou de outra, sem melindrar os homens machos. Quer dizer, quem faz algum exercício, dentro ou fora da academia, muito provavelmente já está tonificando as nádegas.

Os professores sabem que os alunos precisam de glúteos tonificados para proteger a coluna vertebral. As mulheres acham que os homens precisam de bunda dura tanto quanto elas, para ficarem mais atraentes. Só falta os homens admitirem que sua sexualidade não será afetada se incluírem essa parte do corpo entre suas preocupações estéticas.

(Originalmente publicado em www.epoca.com.br)

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