Estudos sugerem que a alimentação correta nos primeiros meses de vida pode evitar a obesidade
Numa recente reunião de família, uma prima
mais velha comentava os conselhos alimentares que ela tinha ouvido da
minha mãe décadas atrás, antes de eu existir. Segundo minha prima,
aquela que me trouxe ao mundo era, nos anos 70, uma mocinha bonita e
muito vaidosa, criada em uma cidadezinha modesta no interior do estado
de São Paulo e recém chegada à capital, cheia de discursos sobre
alimentação saudável, cuidados naturebas com o cabelo e palpites do
gênero. Minha prima, filha da cidade grande, se admirava da suposta
sabedoria da namorada do tio dela. Ao ouvir essa história, ri de mim
mesma. Não, esta colunista não é obra do acaso. Tive mesmo a quem puxar!
Minha mãe foi uma jovem inquieta. Largou a cidadezinha
pequena determinada a fazer faculdade, tornar-se uma profissional de
comunicação, conquistar independência, fazer carreira, lucrar com sua
criatividade. Mas não foi bem o que aconteceu. Logo casou, arrumou um
emprego estável e, sem querer, engravidou. Como tantas mulheres de sua
época, ela jamais aceitaria ser somente mãe. O sonho de crescer no
mercado de trabalho em pé de igualdade com os homens e de aprender sobre
tudo era seu grande propósito na vida. Não poderia abandoná-lo. Como
conciliar a maternidade com tamanha ambição?
O jeito foi
fazer o que dava. Minha irmã, mais velha, e eu fomos amamentadas no
peito por apenas três meses. Logo fomos apresentadas à mamadeira e às
fórmulas infantis, uma versão de alimento bem mais prática e que podia
ser fornecida pelo pai ou pela empregada enquanto a mãe trabalhava fora.
Três décadas depois, as mulheres conquistaram muito mais
espaço dentro das empresas. Mas parece que ainda não conquistaram de
volta o direito de amamentar. Embora a Organização Mundial de Saúde e
inúmeros estudos recomendem que todo bebê seja alimentado somente com
leite materno nos primeiros seis (e não três nem quatro) meses de vida,
no Brasil a licença-maternidade obrigatória ainda é de quatro meses (a
não ser para as funcionárias públicas federais, que segundo o Ministério
da Saúde já gozam de licença de seis meses). A mãe que faz questão de
seguir as recomendações médicas tem de fazer verdadeiras maluquices
logísticas para continuar amamentando depois de voltar ao trabalho. O
mais comum, no entanto, é que as trabalhadoras abandonem o aleitamento
antes da hora.
Uma das preocupações dos pediatras em
relação ao período de amamentação é a obesidade. É que, segundo diversos
estudos, o leite materno é um fator de proteção do bebê contra um
aumento exagerado de peso corporal depois que ele crescer. Por exemplo,
um estudo realizado na Alemanha em 1999 com mais de 130 mil crianças
mostrou que a prevalência de obesidade na infância era menor para as
crianças que haviam mamado no peito da mãe por mais tempo. Assim: entre
as crianças que nunca mamaram no peito, a prevalência de obesidade
observada foi de 4,5%. Entre as que mamaram exclusivamente no peito por
dois meses, a prevalência de obesidade foi de 3,8%. O índice caiu para
0,8% entre as crianças amamentadas por mais de um ano.
Também
tem sido investigada a associação entre o aleitamento materno e o risco
para doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2, ou seja, alguns dos
males mais inimigos saúde pública no mundo atualmente.
As
conclusões da ciência mudam o tempo todo. Conforme as variáveis
consideradas nos estudos, as afirmações de um podem ser derrubadas por
outro. Mas a recomendação de amamentar exclusivamente por pelo menos
seis meses e preferivelmente até os dois anos de idade do bebê de forma
não exclusiva permanece quase inalterada nas últimas décadas.
Os
benefícios de seguir essa recomendação, segundo o Ministério da Saúde,
são inúmeros: "Os bebês que recebem leite materno exclusivamente estão
mais protegidos contra doenças, principalmente diarréia e pneumonia.
Crianças que não mamam no peito têm 25 vezes mais chance de morrer por
diarréia. Com relação à pneumonia, crianças não amamentadas nos
primeiros três meses de vida têm 61 vezes mais chance de serem
hospitalizadas do que as crianças em aleitamento materno exclusivo. Da
mesma forma, as crianças amamentadas têm menor risco de desenvolver
otite e alergias. A longo prazo, as crianças que mamam exclusivamente
por seis meses estão mais protegidas contra doenças crônicas como
obesidade, diabetes melito tipo I, doença de Crohn e linfoma. O leite
materno contém todos os nutrientes necessários para o crescimento e
desenvolvimento adequados da criança, além de ser facilmente digerido.
Além disso, o ato de amamentar é o primeiro momento de carinho entre mãe
e filho e favorece a ligação entre eles.
Por tudo isso,
geração após geração, os pediatras procuram convencer as mães a
amamentar por mais tempo. Não é uma tarefa fácil, especialmente para
quem tem a agenda tomada por outras obrigações. Também não é uma
responsabilidade que depende só das mães, uma vez que elas precisam da
autorização de seus empregadores para cumprir com mais esse compromisso.
Segundo o Ministério da Saúde, o projeto que amplia a
licença-maternidade obrigatória de seis meses para todas as
trabalhadoras já foi aprovado na Câmara.
A partir daí, a
amamentação dependerá mesmo é da vontade das mães assalariadas - salvo
em caso de problemas de saúde que as impeçam. Caberá a elas decidir se
querem ou não que seus filhos cresçam saudáveis, fortes e magros. É
claro que o destino metabólico das crianças não é total responsabilidade
do peito materno. O código genético, a educação, o estilo de vida, tudo
isso se combina para determinar como o corpo vai se desenvolver. Mas a
alimentação dos filhos nos primeiros anos de vida - e até antes, na
gestação -, esta sim é atribuição dos genitores. O que o bebê mama ou
deixa de mamar hoje pode fazer diferença na balança e na saúde dele 20
anos depois.
Nem todo bebê que mama pouco vai crescer
obeso ou acima do peso. Eu mamei menos de seis meses e nunca fui gorda.
Ao contrário, cresci magricela - o que talvez seja também um indício de
uma saúde imperfeita. Não sei. É possível que o corpo humano seja capaz
de malabarismos que a ciência ainda desconhece. Só sei que, se um dia
tiver um filho, terei de pensar não só na minha boa forma depois da
gravidez, mas na dele também.
(Originalmente publicado em www.epoca.com.br)
Nenhum comentário:
Postar um comentário