Não se iluda. Quem decide o que você vai comprar é o mercado
Esta semana, quatro pavilhões da Expo Center Norte estão ocupados pela
feira da Apas (Associação Paulista de Supermercados). A feira é gigante,
e está lotada de homens de terno e gravata querendo fazer negócios.
Todas as grandes marcas de produtos vendidos em supermercados estão lá,
expondo novidades. Há também empresas que fornecem sistemas e outras
soluções para o varejo. Até bancos participam da feira. Acho que nunca
vi tanto poder reunido num lugar só. Paralelamente à feira, há palestras
com brasileiros e estrangeiros, entre eles o Ronaldo Fenômeno. Tudo na
intenção de tornar o varejo ainda mais bem-sucedido.
Segundo uma palestrante que falou na terça, os supermercados estão
ficando tão poderosos quanto as marcas dos produtos que eles vendem. Na
análise da americana Natalie Berg, diretora de pesquisa da Natalie Berg
Global, quando as lojas eram pequenas e locais, funcionavam como caixas
onde os produtos das grandes marcas eram expostos ao consumidor final.
Ou seja, não tinham muita importância na escolha dos consumidores. Hoje,
num mercado dominado por grandes redes varejistas (Wal Mart, Carrefour,
Pão de Açúcar), o varejo pode até decidir não vender mais uma
determinada marca, se achar que ela não está de acordo com os seus
valores.
Imagine o que significa para qualquer
marca ficar fora das prateleiras de uma rede de varejo que está no país
todo. Significa milhões de reais em vendas perdidos.
Assim como as indústrias, o varejo também está pesquisando as
necessidades e os desejos de seus clientes. As lojas não são iguais. O
chamado “mix de produtos” de cada unidade leva em conta a localização de
cada loja, a geografia local, a renda familiar média dos moradores do
bairro e um estudo científico dos hábitos de compra. Com essas
informações em mãos, os supermercados conseguem traçar não só o perfil
de seus consumidores, mas também o perfil de produtos que eles querem
comprar. Assim, procuram ser fieis aos seus clientes, em vez de apenas
criar mecanismos para fidelizar a clientela.
Na
análise de Natalie, é isso que favorece a criação de marcas próprias
(produtos com as marcas Carrefour e Qualitá). Ao saber exatamente o que
seu cliente quer, a rede de varejo pode então mandar fabricar sua
mercadoria sob medida, a preços competitivos, para o dissabor da agora
concorrência – as tradicionais marcas que antes tinham o varejo na mão.
Com isso, o varejo pode inclusive reduzir as opções que oferece ao
consumidor, restringindo seu “mix” de produtos a um grupo menor de
marcas previamente aprovadas. “Temos opções demais na prateleira”, diz
Natalie.
O poder dos supermercados não para por
aí. Segundo a pesquisa da Natalie Berg, o setor de supermercados gastou
mais dinheiro com publicidade em 2010 do que a indústria da qual ele se
alimenta.
Eles já estão querendo direcionar o
comportamento de quem entra em suas lojas. Ao criar lojas “verdes”, o
varejo decide que seus clientes serão mais ambientalmente responsáveis.
Não levarão sacolas plásticas para casa, ganharão pontos se usarem
sacolas retornáveis, comprarão produtos de limpeza biodegradáveis, com
embalagens recicláveis, de baixo impacto ambiental etc.
No mercado americano, os supermercados também estão fazendo
questão de que seus clientes sejam mais saudáveis. Dão destaque para
alimentos integrais, ajudam a comparar tabelas nutricionais e até
oferecem a orientação de uma nutricionista. Aqui, esse tipo de marketing
anda mais devagar.
Segundo um estudo da inglesa
Corinna Hawkes, especialista em políticas de alimentos, há cinco
fatores nos supermercados que influenciam a dieta dos consumidores: a
localização, o mix de produtos, os preços, as promoções e as ações
direcionadas à nutrição.
Quer dizer, agora nós
consumidores temos de decidir não só em quais produtos podemos confiar,
mas também em quais lojas. Minhas compras não dependerão mais apenas dos
preços ou da distância entre minha casa e o comércio. O supermercado
concorre hoje com padarias, lanchonetes, cafés, restaurantes, feiras
livres, lojas de roupas, lojas de ferramentas, papelarias, bancas de
revistas e até com lojinhas de produtos naturais, antes reduto de
hippies, vegetarianos e macrobióticos. Estão vendendo de tudo, com lojas
abertas 24 horas, amplo estacionamento gratuito e muita conveniência.
Se cada loja (ou o site da rede) vai oferecer o perfil de produto e de
consumo que ela considera mais de acordo com os valores que ela quer
imprimir para si e para seus clientes, então eu tenho de encontrar qual é
a loja que tem a minha cara, ou os meus valores.
No meu ver, junto com o poder do supermercado, aumenta a minha
responsabilidade como consumidora. Já não será suficiente comparar
preços e promoções, datas de validade e detalhes da composição dos
produtos nos rótulos. Terei de estar atenta também à maneira como a
arquitetura e a comunicação visual da loja me conduzem aos corredores, e
como os corredores me conduzem às compras. Terei de ler o que está
escrito nos anúncios e comunicados para entender como aquela loja quer
que eu consuma, e por quê. Terei de perceber se o mix de produtos nas
prateleiras está priorizando preço baixo, sustentabilidade ou densidade
nutricional, ou nada disso. Terei de comparar as opções e as estratégias
dos supermercados entre si e com as da padaria, as da lojinha de
produtos naturais e às da feira livre para perceber quem está oferecendo
o que é melhor para mim – e para meus queridos.
Quem tem a maior variedade e a maior qualidade de vegetais, com preço
acessível? Quem dá destaque para as frutas da época? Quem esconde
guloseimas e refrigerantes em cantos escuros da prateleira em vez de
criar chamativos para as crianças? Quem facilita o acesso a grãos
integrais, sucos sem adição de açúcar e iogurtes naturais em vez de
promover só as novidades de baixo valor nutricional? Quem diz a verdade
sobre os produtos?
No fim das contas, nosso modo
de fazer compras revela muito sobre em quem a gente acredita. Eu acho
que duvido mais do que acredito. Não confio cegamente em marca nenhuma,
nem em mercado nenhum. Fidelidade, só se for recíproca.
E você, o que pensa disso tudo? Na hora das compras, qual é sua crença?
(Originalmente publicado em www.epoca.com.br)
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