12 de mai. de 2011

Liberdade de escolha?

Não se iluda. Quem decide o que você vai comprar é o mercado


Esta semana, quatro pavilhões da Expo Center Norte estão ocupados pela feira da Apas (Associação Paulista de Supermercados). A feira é gigante, e está lotada de homens de terno e gravata querendo fazer negócios. Todas as grandes marcas de produtos vendidos em supermercados estão lá, expondo novidades. Há também empresas que fornecem sistemas e outras soluções para o varejo. Até bancos participam da feira. Acho que nunca vi tanto poder reunido num lugar só. Paralelamente à feira, há palestras com brasileiros e estrangeiros, entre eles o Ronaldo Fenômeno. Tudo na intenção de tornar o varejo ainda mais bem-sucedido.

Segundo uma palestrante que falou na terça, os supermercados estão ficando tão poderosos quanto as marcas dos produtos que eles vendem. Na análise da americana Natalie Berg, diretora de pesquisa da Natalie Berg Global, quando as lojas eram pequenas e locais, funcionavam como caixas onde os produtos das grandes marcas eram expostos ao consumidor final. Ou seja, não tinham muita importância na escolha dos consumidores. Hoje, num mercado dominado por grandes redes varejistas (Wal Mart, Carrefour, Pão de Açúcar), o varejo pode até decidir não vender mais uma determinada marca, se achar que ela não está de acordo com os seus valores.



Imagine o que significa para qualquer marca ficar fora das prateleiras de uma rede de varejo que está no país todo. Significa milhões de reais em vendas perdidos.

Assim como as indústrias, o varejo também está pesquisando as necessidades e os desejos de seus clientes. As lojas não são iguais. O chamado “mix de produtos” de cada unidade leva em conta a localização de cada loja, a geografia local, a renda familiar média dos moradores do bairro e um estudo científico dos hábitos de compra. Com essas informações em mãos, os supermercados conseguem traçar não só o perfil de seus consumidores, mas também o perfil de produtos que eles querem comprar. Assim, procuram ser fieis aos seus clientes, em vez de apenas criar mecanismos para fidelizar a clientela.

Na análise de Natalie, é isso que favorece a criação de marcas próprias (produtos com as marcas Carrefour e Qualitá). Ao saber exatamente o que seu cliente quer, a rede de varejo pode então mandar fabricar sua mercadoria sob medida, a preços competitivos, para o dissabor da agora concorrência – as tradicionais marcas que antes tinham o varejo na mão. Com isso, o varejo pode inclusive reduzir as opções que oferece ao consumidor, restringindo seu “mix” de produtos a um grupo menor de marcas previamente aprovadas. “Temos opções demais na prateleira”, diz Natalie.

O poder dos supermercados não para por aí. Segundo a pesquisa da Natalie Berg, o setor de supermercados gastou mais dinheiro com publicidade em 2010 do que a indústria da qual ele se alimenta.

Eles já estão querendo direcionar o comportamento de quem entra em suas lojas. Ao criar lojas “verdes”, o varejo decide que seus clientes serão mais ambientalmente responsáveis. Não levarão sacolas plásticas para casa, ganharão pontos se usarem sacolas retornáveis, comprarão produtos de limpeza biodegradáveis, com embalagens recicláveis, de baixo impacto ambiental etc.

No mercado americano, os supermercados também estão fazendo questão de que seus clientes sejam mais saudáveis. Dão destaque para alimentos integrais, ajudam a comparar tabelas nutricionais e até oferecem a orientação de uma nutricionista. Aqui, esse tipo de marketing anda mais devagar.

Segundo um estudo da inglesa Corinna Hawkes, especialista em políticas de alimentos, há cinco fatores nos supermercados que influenciam a dieta dos consumidores: a localização, o mix de produtos, os preços, as promoções e as ações direcionadas à nutrição.

Quer dizer, agora nós consumidores temos de decidir não só em quais produtos podemos confiar, mas também em quais lojas. Minhas compras não dependerão mais apenas dos preços ou da distância entre minha casa e o comércio. O supermercado concorre hoje com padarias, lanchonetes, cafés, restaurantes, feiras livres, lojas de roupas, lojas de ferramentas, papelarias, bancas de revistas e até com lojinhas de produtos naturais, antes reduto de hippies, vegetarianos e macrobióticos. Estão vendendo de tudo, com lojas abertas 24 horas, amplo estacionamento gratuito e muita conveniência. Se cada loja (ou o site da rede) vai oferecer o perfil de produto e de consumo que ela considera mais de acordo com os valores que ela quer imprimir para si e para seus clientes, então eu tenho de encontrar qual é a loja que tem a minha cara, ou os meus valores.

No meu ver, junto com o poder do supermercado, aumenta a minha responsabilidade como consumidora. Já não será suficiente comparar preços e promoções, datas de validade e detalhes da composição dos produtos nos rótulos. Terei de estar atenta também à maneira como a arquitetura e a comunicação visual da loja me conduzem aos corredores, e como os corredores me conduzem às compras. Terei de ler o que está escrito nos anúncios e comunicados para entender como aquela loja quer que eu consuma, e por quê. Terei de perceber se o mix de produtos nas prateleiras está priorizando preço baixo, sustentabilidade ou densidade nutricional, ou nada disso. Terei de comparar as opções e as estratégias dos supermercados entre si e com as da padaria, as da lojinha de produtos naturais e às da feira livre para perceber quem está oferecendo o que é melhor para mim – e para meus queridos.

Quem tem a maior variedade e a maior qualidade de vegetais, com preço acessível? Quem dá destaque para as frutas da época? Quem esconde guloseimas e refrigerantes em cantos escuros da prateleira em vez de criar chamativos para as crianças? Quem facilita o acesso a grãos integrais, sucos sem adição de açúcar e iogurtes naturais em vez de promover só as novidades de baixo valor nutricional? Quem diz a verdade sobre os produtos?

No fim das contas, nosso modo de fazer compras revela muito sobre em quem a gente acredita. Eu acho que duvido mais do que acredito. Não confio cegamente em marca nenhuma, nem em mercado nenhum. Fidelidade, só se for recíproca.

E você, o que pensa disso tudo? Na hora das compras, qual é sua crença?

(Originalmente publicado em www.epoca.com.br)

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