O corpo fala o tempo todo. E ele diz a verdade
Quando abri os olhos, estava mais madura. Não sei se de fato estava,
mas assim me sentia. Tinha sido uma experiência um pouco estranha.
Sensações variadas no meu corpo eram acompanhadas de movimentos
involuntários e mudanças de humor que, segundo o mentor, estavam me
conduzindo à resposta que eu buscava. Estive consciente o tempo todo,
mas não vi o tempo passar.
A proposta era conversar com
meu inconsciente. Eu faria a ele as perguntas ditadas pelo mentor, em
voz alta, e meu inconsciente me responderia por meio de sensações,
ideias, dores ou mensagens que eu tentaria captar. Não sabia exatamente
no que estava me metendo. Não tinha muita ideia de quem era aquele cara,
nem tinha informação sobre a validade de sua técnica. Só aceitei o
convite de conhecer seu trabalho.
De pé e olhos fechados,
eu repetia as perguntas e observava minhas sensações. Várias vezes,
nada senti. Apenas via aquele brilho da luz entrando parcialmente por
entre minhas pálpebras. Mas justamente elas, as pálpebras, foram as
primeiras a parecer que queriam me dizer alguma coisa. Tremeram logo que
as cerrei. E em seguida vieram lágrimas escorrer entre elas. Por quê?
Não sabia dizer. Mas aquela luz vaga e amarelada na minha frente parecia
crescer, como se eu me aproximasse do sol. Aí a luz ficou branca.
Talvez fossem apenas minhas pálpebras se abrindo e deixando a luz forte
das lâmpadas entrar. Não interrompi. Deixei que as sensações me
conduzissem.
Passei a sentir certas vibrações no corpo.
Seria o efeito de estar de pé por tanto tempo, sem me mover? Um joelho
dobrava, um início de formigamento surgia nas mãos e antebraços. Senti
uma compressão no corpo inteiro, como se uma força externa me empurrasse
de fora para dentro em todas as direções. Uma sensação levemente
familiar, mas que nunca entendi. Eu não queria aquela compressão. Queria
me libertar daquilo, me mexer. O mentor ditou as frases para que meu
inconsciente me dissesse o que fazer a respeito. Passei a cair para
frente, perdendo o equilíbrio. Achei que tinha de dar um primeiro passo.
Então dei um passo a frente e entrei no branco. Uma luz muito branca me
envolvia, ou assim me pareceu. A pressão se desfez e parecia que a ação
da gravidade ali era mais fraca. Veio uma sensação contrária à
anterior. Ali meu corpo se soltou e quis se expandir, se desgrudar do
chão, subir, flutuar. Eu ri. Estava alegre, aliviada, livre.
Em
vários momentos, percebia minha respiração se acalmando tão logo fazia
uma pergunta sobre o que estava sentindo. Puxava o ar tão profundamente
que precisava terminar de encher os pulmões antes de falar, como se a
respiração tivesse se tornado prioritária ante todas as outras
urgências. Nesses momentos, meu corpo se aprumava. Ficava reto, vertical
e estável, assim como os iogues nos ensinam na meditação. Reinava a
tranquilidade.
Diversas vezes, nos últimos anos, tentei
adotar o inegavelmente saudável hábito da meditação. Respirar é
fundamental, dizem. Mas dominar minha respiração nunca me foi fácil. Era
desconfortável. Eu conseguia perceber a respiração agitada no dia a dia
e até tenho a impressão de sentir imediatamente os efeitos nefastos dos
hormônios do estresse percorrendo meu corpo quando me vejo numa
situação indesejada. Mas mudar isso, no meio do turbilhão, é algo que
costumo deixar para depois.
No exercício com o mentor,
não fiquei estável na tranquilidade. Encontrá-la não me garantiu ficar
nela definitivamente. Mas ajudou a confirmar como a intranquilidade me
altera, me tira o equilíbrio, me faz sentir coisas desagradáveis e ter
reações inadequadas. Era perceptível a relação entre o estado da
respiração, a posição do meu corpo e as sensações. Entendi que, se
quiser me sentir bem de verdade, terei de buscar sempre a referência do
prumo, da respiração profunda e da calma. Como o joão-bobo. Por mais que
ele leve bordoadas de todos os lados, sempre volta para seu centro. É
assim que devemos ser.
A conversa continuou, e outras
sensações vieram. Quando achei que estava pronta para voar, senti um
peso nas costas e as cobranças e referências antigas atrás de mim. Tive
me despedir delas. O mentor me virou para trás, para que eu as encarasse
e dissesse a elas o que precisava dizer. Imaginei-as como se estivessem
reunidas diante de mim, como amigos que se despedem na véspera de uma
longa e bem-vinda viagem. Eu tinha de partir e seria bom para mim. O
passado continuaria lá, como os vizinhos da cidade natal que visitamos
às vezes nas férias, mas já não teriam a mesma influência em minha vida.
Ao voltar-me novamente para meu norte, ainda sentia o
peso nos ombros. Ainda não tinha me desapegado da bagagem pesada dos
anos vividos. Como voar assim? Como a águia voa?, me fez perguntar o
mentor. Olhei a geografia lá de cima. Era preciso seguir uma rota. Olhei
para baixo, tombando a cabeça, mas tive medo. Com o peso nos ombros, só
enxergava um abismo. Olhei então para cima e entendi que precisava
soltar as asas. Girei os ombros, mas só me senti segura quando me
encolhi, agachada no chão, obedecendo ao pedido das pernas. Encolhida
como um feto, ou, pior, uma semente, me senti ridícula. Levantei de
novo, voltei ao prumo e logo me senti pronta e madura para recomeçar.
Depois
de abrir os olhos, me sentindo adulta, o mentor me explicou que, a
partir dessa nova consciência do que me faz bem, eu teria mais chance de
tomar decisões com acerto dali para diante. Disse que, sabendo onde eu
sou meu melhor eu, não permitirei mais que referências que não sejam
minhas me desviem do meu caminho, e saberei com muito mais clareza o que
é para mim e o que não é.
Não foi nenhuma grande
revelação. Eu sei o que me transtorna e sei o que me tranquiliza. Também
sei o que me alegra e o que me encanta. Mas me falta acreditar mais em
mim e menos nos outros. Me falta ter a convicção de que, quando estou
certa, não há por que agir do modo contrário. De que não preciso da
aprovação de ninguém para fazer o que é certo. Quando me conscientizo
disso, sou senhora de mim e respeito minha voz. E aí o resto é ruído.
(Originalmente publicado em www.epoca.com.br)
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