Na economia da boa forma, a mordomia só atrapalha
Dizem que sou “mão de vaca”. E costumo concordar. Não gosto de gastar
dinheiro com manicure, pois sei fazer as unhas sozinha. Compro roupa
nova poucas vezes ao ano, pulando várias modas. Uso celular pré-pago
mais para trocar mensagens do que fazer ligações. Adoro reaproveitar
materiais em novas funções, e por isso tendo a guardar algumas tralhas
sem uso imediato. Há momentos em que resolvo ser ainda mais econômica, e
descubro que fico mais criativa, pois uso as coisas que já tenho de
novas maneiras e consigo suprir minhas necessidades sem desperdiçar
recursos. Ou seja, economizar me leva a aproveitar melhor os recursos
preexistentes.
Por exemplo, no vestuário. Sem
comprar peças novas, sou “obrigada” a inventar novas combinações com as
mesmas peças de sempre, e me surpreendo com a variedade de resultados
interessantes que essa análise combinatória termina rendendo. Na
culinária, a mesma coisa. Quando “me obrigo” a usar o estoque de comida
que tenho em casa em vez de partir de novo para o supermercado ou o
restaurante mais próximo, acabo criando novas receitas e ampliando meu
repertório.
De uns tempos para cá, venho
percebendo que o corpo também se comporta assim. Pelo menos no que se
refere aos exercícios.
Veja por exemplo o
agachamento, esse exercício tão fundamental na vida de quem quer pernas
torneadas e bunda dura. Fincados os dois pés no chão, o corpo se
equilibra com certa facilidade durante toda a descida, já que estamos
acostumadíssimos a fazer esse movimento com uma cadeira ou uma privada
atrás de nós. Bote uma barra de ferro nas costas e a coisa muda. A
facilidade diminui, e o abdome tem de participar mais ativamente do
movimento para não abandonar a lombar à própria sorte. Ok, ainda
relativamente fácil. Mas experimente “economizar” uma perna e fazer o
agachamento com um pé só no chão. É absurda a diferença. Sem o
equilíbrio de antes, o corpo é “obrigado” a recrutar vários outros
músculos para um mutirão de força. E não só músculos. Vai usar também
novos caminhos neurais e outras capacidades físicas que já tinha mas não
usava antes, como um ajuste mais fino de coordenação motora, uma
flexibilidade que nem se imaginava necessária. Em suma, tem de se virar
para descobrir, ou criar, novas maneiras de realizar a mesma tarefa de
antes – o agachamento –, mas com menos recursos. E a melhor parte é que o
resultado desse exercício “econômico” é, em alguns aspectos, mais
satisfatório do que o agachamento com os dois pés no chão.
Dá para brincar de economia com uma enorme variedade de
exercícios. Outro exemplo é a também tradicional flexão de braços. É
claro que com os joelhos fora do chão é mais difícil do que com os
joelhos apoiados, afinal assim se economiza apoio. E com uma mão só? E
tirando rapidamente as mãos do chão a cada repetição? Quanto menos
mordomia você dá pro corpo nessa hora, mais ele trabalha e entrega
resultados.
O legal é que, de tanto ser
“obrigado” a trabalhar por inteiro na realização de tarefas variadas, o
corpo acaba aprendendo alguns macetes novos. Com o tempo, as tarefas vão
ficando mais fáceis, e a gente pode acrescentar desafios.
Há um exercício tradicional na barra fixa que consiste em erguer
o queixo acima da barra usando principalmente a força concentrada dos
braços e da parte superior do tronco. No meu treino, uso uma variação
desse movimento. Em vez de usar apenas essa força localizada, lanço mão
de uma ajudazinha das pernas e do abdome. É assim: pendurada com as duas
mãos na barra fixa, eu dou um impulso com as pernas, faço um balanço
quase pendular, jogo o corpo para trás e uso esse impulso para subir.
Assim, faço menos força com os braços, mas uso vários outros músculos.
Como num mutirão.
Pois bem. Há cerca de duas
semanas, pude observar os efeitos desse tipo de mutirão no meu treino. O
professor propôs que fizéssemos o exercício na barra fixa usando quase
somente a força dos braços, evitando o balanço (recurso a menos). Sem
calcular previamente a manobra, usei os joelhos flexionados para dar
soquinhos no ar e me impulsionar para o alto. Eu não sabia que sabia
fazer aquilo, mas fiz. E me achei o máximo por isso. O professor então
explicou que, com o treino, meu corpo tinha aprendido a usar outros
recursos disponíveis para realizar aquela tarefa.
Ciente da novidade, logo usei o mesmo macete de novo, para escalar uma
corda depois de já estar muito cansada. Sem a força necessária nos
braços para me manter pendurada na corda e ainda me puxar para cima, os
soquinhos no ar me ajudaram a “pular” para cima, reduzindo a necessidade
de força.
Então acho que, quando me chamarem de
mão de vaca de novo, poderei levar isso como um elogio. Afinal, sei
que, ao economizar recursos, me dou oportunidades não só de evitar
desperdícios, mas principalmente de aproveitar muito melhor aquilo que
já tenho. E às vezes com resultados melhores do que eu teria se
estivesse sempre adquirindo recursos novos.
(Originalmente publicado em www.epoca.com.br)
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