26 de mai. de 2011

Corpo rico, corpo pobre

Na economia da boa forma, a mordomia só atrapalha


Dizem que sou “mão de vaca”. E costumo concordar. Não gosto de gastar dinheiro com manicure, pois sei fazer as unhas sozinha. Compro roupa nova poucas vezes ao ano, pulando várias modas. Uso celular pré-pago mais para trocar mensagens do que fazer ligações. Adoro reaproveitar materiais em novas funções, e por isso tendo a guardar algumas tralhas sem uso imediato. Há momentos em que resolvo ser ainda mais econômica, e descubro que fico mais criativa, pois uso as coisas que já tenho de novas maneiras e consigo suprir minhas necessidades sem desperdiçar recursos. Ou seja, economizar me leva a aproveitar melhor os recursos preexistentes.



Por exemplo, no vestuário. Sem comprar peças novas, sou “obrigada” a inventar novas combinações com as mesmas peças de sempre, e me surpreendo com a variedade de resultados interessantes que essa análise combinatória termina rendendo. Na culinária, a mesma coisa. Quando “me obrigo” a usar o estoque de comida que tenho em casa em vez de partir de novo para o supermercado ou o restaurante mais próximo, acabo criando novas receitas e ampliando meu repertório.

De uns tempos para cá, venho percebendo que o corpo também se comporta assim. Pelo menos no que se refere aos exercícios.

Veja por exemplo o agachamento, esse exercício tão fundamental na vida de quem quer pernas torneadas e bunda dura. Fincados os dois pés no chão, o corpo se equilibra com certa facilidade durante toda a descida, já que estamos acostumadíssimos a fazer esse movimento com uma cadeira ou uma privada atrás de nós. Bote uma barra de ferro nas costas e a coisa muda. A facilidade diminui, e o abdome tem de participar mais ativamente do movimento para não abandonar a lombar à própria sorte. Ok, ainda relativamente fácil. Mas experimente “economizar” uma perna e fazer o agachamento com um pé só no chão. É absurda a diferença. Sem o equilíbrio de antes, o corpo é “obrigado” a recrutar vários outros músculos para um mutirão de força. E não só músculos. Vai usar também novos caminhos neurais e outras capacidades físicas que já tinha mas não usava antes, como um ajuste mais fino de coordenação motora, uma flexibilidade que nem se imaginava necessária. Em suma, tem de se virar para descobrir, ou criar, novas maneiras de realizar a mesma tarefa de antes – o agachamento –, mas com menos recursos. E a melhor parte é que o resultado desse exercício “econômico” é, em alguns aspectos, mais satisfatório do que o agachamento com os dois pés no chão.

Dá para brincar de economia com uma enorme variedade de exercícios. Outro exemplo é a também tradicional flexão de braços. É claro que com os joelhos fora do chão é mais difícil do que com os joelhos apoiados, afinal assim se economiza apoio. E com uma mão só? E tirando rapidamente as mãos do chão a cada repetição? Quanto menos mordomia você dá pro corpo nessa hora, mais ele trabalha e entrega resultados.

O legal é que, de tanto ser “obrigado” a trabalhar por inteiro na realização de tarefas variadas, o corpo acaba aprendendo alguns macetes novos. Com o tempo, as tarefas vão ficando mais fáceis, e a gente pode acrescentar desafios.

Há um exercício tradicional na barra fixa que consiste em erguer o queixo acima da barra usando principalmente a força concentrada dos braços e da parte superior do tronco. No meu treino, uso uma variação desse movimento. Em vez de usar apenas essa força localizada, lanço mão de uma ajudazinha das pernas e do abdome. É assim: pendurada com as duas mãos na barra fixa, eu dou um impulso com as pernas, faço um balanço quase pendular, jogo o corpo para trás e uso esse impulso para subir. Assim, faço menos força com os braços, mas uso vários outros músculos. Como num mutirão.

Pois bem. Há cerca de duas semanas, pude observar os efeitos desse tipo de mutirão no meu treino. O professor propôs que fizéssemos o exercício na barra fixa usando quase somente a força dos braços, evitando o balanço (recurso a menos). Sem calcular previamente a manobra, usei os joelhos flexionados para dar soquinhos no ar e me impulsionar para o alto. Eu não sabia que sabia fazer aquilo, mas fiz. E me achei o máximo por isso. O professor então explicou que, com o treino, meu corpo tinha aprendido a usar outros recursos disponíveis para realizar aquela tarefa.

Ciente da novidade, logo usei o mesmo macete de novo, para escalar uma corda depois de já estar muito cansada. Sem a força necessária nos braços para me manter pendurada na corda e ainda me puxar para cima, os soquinhos no ar me ajudaram a “pular” para cima, reduzindo a necessidade de força.

Então acho que, quando me chamarem de mão de vaca de novo, poderei levar isso como um elogio. Afinal, sei que, ao economizar recursos, me dou oportunidades não só de evitar desperdícios, mas principalmente de aproveitar muito melhor aquilo que já tenho. E às vezes com resultados melhores do que eu teria se estivesse sempre adquirindo recursos novos.

(Originalmente publicado em www.epoca.com.br)

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