Até que ponto a tecnologia dos aparelhos de ginástica substitui a orientação de um profissional?
Esta semana, um fórum sobre temas da educação física aqueceu a
discussão sobre a validade das academias de ginástica que não fazem
questão de ter professores orientando os alunos na sala de musculação e
nos aparelhos de exercício cardiovascular. Essas academias, dizem,
capricham na quantidade, na qualidade e na beleza dos aparelhos, mas
economizam em profissionais, e por isso conseguem cobrar mensalidades
mais baratas, de olho na emergente classe C. O cliente que desejar
receber mais atenção deverá contratar um professor para si mesmo, por um
preço adicional, bastando escolher entre os nomes previamente
selecionados e apresentados pelo estabelecimento num quadro de avisos.
Quer dizer: fazer exercícios com um professor do lado parece que agora virou mesmo um luxo.
Revoltados
com a aparente desvalorização da categoria, profissionais de educação
física que participam do fórum fizeram duras críticas a esse modelo de
negócio, defendendo a ideia de que privar o cliente da academia de
orientação correta, dada por um ser humano que estudou, é o pior serviço
que se pode oferecer. Afinal, dizem eles, o aluno sozinho com a máquina
não será capaz de perceber se está executando os movimentos
incorretamente, nem saberá dosar a intensidade dos exercícios conforme
seu condicionamento melhora – ou piora. Se exercício fosse uma coisa que
qualquer um soubesse fazer direito, então não precisaria existir
faculdade de educação física, certo? O professor que iniciou o debate
até citou estudos que mostram a diferença de resultados entre os treinos
com e sem o acompanhamento de um profissional.
Mas aí
apareceu gente do outro lado do balcão lembrando que, mesmo tendo
profissionais formados, que estudaram quatro anos numa faculdade para
orientar quem não estudou, as academias convencionais (que têm
professores disponíveis, ao preço normal da mensalidade) não costumam
fazer questão de orientar seus alunos adequadamente. “Quem me dera ter
encontrado profissionais assim nas academias em que já treinei, das
menores às maiores”, diz Leandro, um curioso que, como eu, participa do
fórum sem ser da área. “Quando vi os resultados dos estudos em relação
ao treinamento com e sem acompanhamento, fiquei imaginando se os
resultados seriam os mesmos na seguinte configuração: ‘acompanhamento
por profissionais que concluíram o superior mas nunca se deram ao
trabalho sequer de ler estudos científicos como aquele em que se
comprova que 3 séries não é estatisticamente melhor do que 1 série’
versus ‘sem acompanhamento, com o aluno se preocupando o suficiente para
aprender a ponto de ler estudos científicos’.”
Esse moço
tocou num ponto bastante relevante da questão: que diferença faz ter
professores ao seu dispor se eles não sabem exatamente o que fazer com
você e vêm com um treino pronto, criado por outra pessoa, sem saber se
serve para você? Eu já havia abordado o preparo dos professores num artigo anterior.
Vivo ouvindo críticas ao desinteresse, ao despreparo e até à burrice
dos profissionais de educação física. Várias vezes, elas vêm de clientes
que se sentem ignorados na sala de musculação enquanto os moços de
uniforme batem papo e paqueram as alunas gostosas. Mas, mais
frequentemente, as críticas têm vindo dos colegas de profissão desses
rapazes. Os profissionais da área que sabem inglês e cruzam informações
atualizadas com seus pares se irritam profundamente com aqueles que se
contentam em exibir braços fortes em camisetas justas e ler revistas de
banca que até eu acho repetitivas.
Na semana passada,
aconteceu em Santos a Fitness Brasil, maior evento da área, que reúne
supostas novidades mercadológicas e alguma discussão científica, com a
finalidade de atualizar os profissionais das academias. Um dos
palestrantes me contou que, no seu curso, um quarto dos alunos (colegas
de profissão) parecia realmente interessado em aprender algo novo. A
maioria queria mesmo uma receita de bolo fácil de copiar.
Mas
cada um sabe o que quer, né? Outro dia, batendo papo com um cara que há
alguns anos revezava comigo os aparelhos da musculação, numa academia
que ambos não frequentamos mais, ele me contou que tinha se mudado para
uma academia bem mais cara, mas que tinha aparelhos mais modernos e
gente mais bonita. Se isso era o mais importante pra ele, então pra quê
professor bom? Já eu me mudei para uma academia que é mais cara, mas não
tem aparelho nenhum. Tem professores dando aulas, para turmas pequenas,
de olho nos alunos, pra não deixar ninguém errar, se machucar nem
desperdiçar tempo com exercício mal feito. Entre as máquinas e pessoas
com cérebro atuante, eu ainda prefiro a segunda opção.
(Originalmente publicado em www.epoca.com.br)
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