Sucesso bom é aquele que a gente deseja de verdade
Tenho a impressão de que a vida inteira eu estive em busca não
exatamente da felicidade, mas da autoestima. Talvez as duas coisas
coincidam em muitos momentos. Ficamos felizes quando nos sentimos
capazes de realizar coisas, quando recebemos elogios, quando
conquistamos reconhecimento pelo que somos e fazemos. E, principalmente,
quando somos queridos. Precisamos que gostem de nós.
Desde
a primeira infância, aprendemos a nos basear no quanto agradamos nossos
pais para construir uma imagem positiva de nós mesmos. Se eles
sorriram, é porque gostaram. Se gostaram, é porque sou bom, sou
agradável, sou atraente. Essa conclusão nos apraz, e buscamos repeti-la.
E então crescemos buscando essa autoafirmação em tudo que fazemos, com
todos com quem nos relacionamos. Ser bom, ser atraente, ser desejado e
cobiçado, seja no sentido sexual, social ou profissional, é extremamente
importante para todos nós. E, muitas vezes, extremamente caro. Para
muitos de nós, a autoestima é difícil demais de conquistar.
Uns
acreditam que ela venha do poder sobre os demais. E em muitos casos vem
mesmo. Desde os tempos de escola, a disputa pelo poder e pela sensação
de vitória no grupo gera brincadeiras de mau gosto e até alguns
episódios trágicos de bullying. Quem ataca quer se sentir mais dono do
pedaço que os atacados. Quem é atacado sonha um dia ser reconhecido como
uma pessoa legal, que não merece aquele tratamento. Quem não consegue
reconhecimento pode querer se vingar.
Cada um começa se
orgulhando do que as pessoas a sua volta (em primeiro lugar, a família
e, pouco depois, os coleguinhas) valorizam. Primeiro a gente quer ser um
bebê fofo. Depois, uma criança esperta. Mais tarde, um adolescente
descolado. Em seguida, um jovem precoce e abonado, que tem carro, roupas
caras e o direito de ir e vir em lugares da moda – além de fazer sexo
selvagem e inesquecível. Anos depois, um profissional bem pago e
conhecido. Lá pelos 30 anos, um chefe de família equilibrado. Aos 50, um
coroa enxuto que ainda desperta desejo em jovens com a metade da idade.
O roteiro está traçado. Quem consegue se encaixar nele com perfeição?
Eu
não me encaixei. Acho que fui um bebê fofo em muitos momentos
(provavelmente não em todos) e dei a meus pais vários indícios de ser
uma criança esperta, embora fosse bastante estabanada e perdesse a
compostura diante das chatices da minha irmã. Adolescente, fui CDF
demais para me verem como descolada, e não lidava bem com o tipo de
diversão que a maioria dos meus colegas parecia preferir. Fora do
ambiente escolar, procurei me destacar com duas atividades em que eu
acreditava ser boa: a escrita e a malhação. Acho que escolhi dois bons
caminhos, nos quais progredi e aprendi muito. Mas nem sempre me achei
boa o bastante.
Agora, à beira dos 35, depois de publicar
centenas de textos e de construir e reconstruir inúmeras vezes fibras
musculares, começo a entender um pouquinho melhor de onde vem a
autoestima. No último ano, precisei redescobri-la. Por mais que, aos
olhos dos outros, eu parecesse bem posicionada na profissão, em forma,
com um ótimo relacionamento estável, de bem com a família e os amigos,
em vários momentos me senti profundamente frustrada, descrente e
desmotivada. Ao investigar internamente o porquê, descobri que só me
sinto poderosa quando consigo realizar o que mais quero. É a conclusão
mais óbvia a que eu poderia chegar. Mas dizem que as coisas óbvias são
mesmo as que levamos mais tempo para entender.
O que eu
mais quero não é necessariamente aquilo que está escrito no roteiro que
traçaram por mim. O que eu mais quero tem a ver com aquilo em que mais
acredito, o que mais fará diferença em minha existência, o que me faz
crer que eu nasci para realizar. E dificilmente somos capazes de saber o
que nascemos para realizar antes de viver um bocado.
Hoje,
o exercício físico não me basta se me der apenas resultados estéticos.
Ficar bonita é para os outros. Mas ficar forte, rápida, flexível e
resistente é para mim. Mover-me com menos limites amplia o alcance das
minhas ações. O que me motiva agora é buscar meus limites, enfrentar o
cansaço, realizar mais do que realizava antes e sentir que dentro de mim
há um potencial gigantesco. O que eu mais quero com meu corpo é prazer.
O prazer do movimento.
Na profissão, meus anseios
finalmente cresceram ao tamanho da minha fúria. Não realizei ainda tudo
que quero, mas já sei sonhar de um jeito mais concreto. Eu acredito
piamente na importância das coisas que quero fazer, e é isso que me faz
acreditar que vai dar certo. Eu só quero muito o que é importante para
mim.
Ontem tive uma experiência que me clareou essa
ideia. Fui fazer meus exercícios no horário de sempre, mas estava mais
cansada que o usual. Não pensei em desistir, pois ali o propósito da
turma é sempre fazer o melhor que a gente pode, e parar antes de começar
está fora de cogitação. Mas, logo depois do aquecimento, o cansaço
começou a tomar conta. Insisti. Era preciso ir até o fim. Afinal, era
para isso que eu estava ali.
Quando chegou o momento do
esforço máximo, eu senti que aquilo já era demais para mim. Eu não
queria fazer mais força nenhuma. Queria parar com tudo aquilo, descansar
e voltar para casa – e eu ainda teria de fazer alguma força para
pedalar a bicicleta até lá. O professor percebia minha lentidão e fazia
seu papel de treinador. “Vai, Francine. Bate a barra no chão e já sobe
de novo.” Sim, eu tinha de continuar, tinha de dar meu melhor até o fim.
Prestei atenção na minha respiração. Estava bem, não era fôlego que me
faltava. Era pique mesmo. Vontade. Energia. Eu sentia que já tinha dado
tudo de mim, mas não me permiti parar. E então lágrimas começaram a
aparecer.
Quando terminei o treino, sentei no
chão, abracei os joelhos e chorei. Não era uma derrota. Eu tinha
obrigado meu corpo a cumprir com sua missão até o último agachamento.
Sem me dar conta, eu tinha acelerado nos últimos segundos da contagem
regressiva para realizar minha tarefa completa. Eu tinha me saído
bastante bem, dadas as circunstâncias. Mas estava emocionalmente
fragilizada. Por quê?
O que eu mais queria naquele
momento era outra coisa: descansar. Aquele era meu limite. Nem tanto o
limite do meu corpo, que se mostrou capaz de fazer muito, mas o limite
do meu sonho. Eu nunca quis ser uma atleta profissional. Não me atrai o
grau de exigência a que os atletas se submetem. Eu não preciso me
exaurir tanto para me sentir bem comigo mesma. Na véspera, já tinha me
esforçado bastante para entregar a matéria da semana num prazo exíguo.
Já tinha sido, na minha forma de ver, incrível no trabalho, e não
precisava ser mais incrível no exercício. O esforço além do desejado foi
como uma forma de abuso, uma exploração. Que eu mesma me impus.
O
choro de ontem me trouxe mais uma lição sobre a autoestima ao me
mostrar que não é fazendo o máximo que eu puder que vou me sentir a dona
do pedaço, mas sim fazendo o melhor que eu quiser. Desconfio que
alcançar um sucesso não desejado é provavelmente tão ruim quanto não
alcançar nenhum.
(Originalmente publicado em www.epoca.com.br)
Nenhum comentário:
Postar um comentário