19 de set. de 2011

"Trigo não é alimento para humanos"


A jornada do médico que quer livrar os celíacos do sofrimento


Outro cidadão que eu tive o prazer de ouvir no Congresso de Nutrição Funcional foi o médico americano Thomas O’ Bryan, convidado internacional do evento, que deu uma palestra fechada só para as jornalistas. O tema da palestra, segundo a divulgação, seria a relação do ambiente com a saúde. Na verdade, a apresentação que O’Bryan fez para a gente foi principalmente sobre o glúten, a doença celíaca e os ricos que o trigo supostamente traz à saúde de um número de pessoas bem maior do que se supõe. Acho que posso dizer que o médico é um grande ativista da causa contra o trigo, e com argumentos fortes o bastante para deixar a plateia com medo. Ele chega a dizer que “o trigo não é alimento para humanos”.


A tese do Dr. O’Bryan, baseada em estudos que segundo ele a maioria dos médicos não tem tempo para ler, é que o glúten atrapalha nossa digestão ao tornar o intestino mais permeável, favorecendo a absorção de moléculas grandes que não deveriam entrar em nossa circulação sanguínea. Com isso, o organismo passaria a funcionar de modo imperfeito, podendo ser diagnosticado como “disfuncionado”, embora ainda não doente. Estaria aí a origem de um monte de doenças, incluindo Alzheimer, doença cardíaca, psoríase e distúrbios da tireoide. Socorro.

O médico disse ainda que o tipo de exame que se faz hoje para diagnosticar a doença celíaca só é capaz de detectá-la em estágio avançado, muitas vezes quando já é tarde demais. E que um novo tipo de exame, feito no sangue, já usado nos Estados Unidos e que em breve deve chegar ao Brasil, ajudará no diagnóstico precoce da doença, com potencial para revelar muito mais celíacos por aí. Eu, hein.

A expectativa com o novo exame é que os celíacos possam reverter o problema em tempo em vez de descobrir, às vezes à beira da morte, que seu sistema digestório não presta mais para muita coisa.

Além de conhecimento acumulado, O’Bryan tem motivos dolorosos para viajar pelo mundo falando do glúten para outros médicos. Essa história Tom me contou em particular, durante um café após a palestra. Disse ele que sua madrinha, a tia Emily, já na maturidade, voltava sempre do médico com uma boa notícia e uma recomendação: “A senhora está saudável como um cavalo, mas por favor pare de beber”, dizia o médico dela. E ela se enfezava, pois não bebia nada. “Essa era a piada da família”, diz Tom. Até nas festas de fim de ano a tia Emily brindava com uma taça de água, então não entendia por que seus exames mostravam uma alteração nas enzimas hepáticas típica de quem bebe demais.

O’Bryan explica que uma elevação das enzimas hepáticas indica que células do fígado estão morrendo. Mas, como não havia sintomas, os médicos não pediam tratamento nenhum.

Alguns anos passaram com o mesmo tipo de conversa desencontrada com o médico, até que certa vez, com 82 anos, de repente a tia Emily foi hospitalizada com uma dor no estômago e um sangramento no fígado. Apenas 4% do fígado estava funcionando. “Todo o sangue do corpo passa pelo fígado”, explica Tom. “Na tia Emily, 100% do sangue estava passando por apenas 4% do fígado.” Daí o sangramento. A explicação dos médicos para o episódio repentino era que “essas coisas acontecem.”  “Tommy”, como O’Bryan era chamado pelos colegas, tentou sugerir exames específicos para a doença celíaca, mas não foi ouvido.

O’ Bryan esperava que seus colegas estivessem mais atentos ao tema. A revista Hepatology havia publicado um artigo em 2008 dizendo que a elevação nas enzimas hepáticas poderia ser a única manifestação da doença celíaca.

No fim de oito semanas, tia Emily tinha passado por seis cirurgias. Então o médico do hospital veio dizer que já não havia mais o que fazer. Quem sabe a velha vivesse mais duas semanas, talvez mais dois meses, repousando em casa.

O’ Bryan foi visitar a madrinha e aproveitou para tirar-lhe uma amostra de sangue. Valendo-se de sua credencial médica, conseguiu uma análise laboratorial e comprovou a suspeita: doença celíaca. Poderia haver outras explicações para seu problema além da intolerância ao glúten, mas Tom acreditava que sem o glúten ela pelo menos se sentiria melhor por algum tempo. Pediu a colaboração dos demais familiares e, dali para frente, ninguém mais na casa comeu nada que tivesse glúten. Aprenderam a comer de outro jeito.

Apesar do seu estado lastimável causado pela cirrose, tia Emily passou a participar mais das conversas familiares e tornou-se mais espiritualizada. Um ano e meio depois, deram adeus à matriarca, não sem que antes ela pedisse ao afilhado que levasse sua mensagem aos demais.

É o que Tom veio fazer no Congresso, e é o fez comigo enquanto contava sua história emocionante. Agora só me resta pesquisar melhor o assunto e compartilhar com vocês o que eu encontrar.


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