A jornada do médico que quer livrar os
celíacos do sofrimento
Outro cidadão que eu tive o prazer de ouvir
no Congresso de Nutrição Funcional foi o médico americano Thomas O’ Bryan, convidado
internacional do evento, que deu uma palestra fechada só para as jornalistas. O
tema da palestra, segundo a divulgação, seria a relação do ambiente com a
saúde. Na verdade, a apresentação que O’Bryan fez para a gente foi principalmente
sobre o glúten, a doença celíaca e os ricos que o trigo supostamente traz à
saúde de um número de pessoas bem maior do que se supõe. Acho que posso dizer
que o médico é um grande ativista da causa contra o trigo, e com argumentos
fortes o bastante para deixar a plateia com medo. Ele chega a dizer que “o
trigo não é alimento para humanos”.
A tese do Dr. O’Bryan, baseada em estudos
que segundo ele a maioria dos médicos não tem tempo para ler, é que o glúten
atrapalha nossa digestão ao tornar o intestino mais permeável, favorecendo a
absorção de moléculas grandes que não deveriam entrar em nossa circulação
sanguínea. Com isso, o organismo passaria a funcionar de modo imperfeito,
podendo ser diagnosticado como “disfuncionado”, embora ainda não doente.
Estaria aí a origem de um monte de doenças, incluindo Alzheimer, doença
cardíaca, psoríase e distúrbios da tireoide. Socorro.
O médico disse ainda que o tipo de exame
que se faz hoje para diagnosticar a doença celíaca só é capaz de detectá-la em
estágio avançado, muitas vezes quando já é tarde demais. E que um novo tipo de
exame, feito no sangue, já usado nos Estados Unidos e que em breve deve chegar
ao Brasil, ajudará no diagnóstico precoce da doença, com potencial para revelar
muito mais celíacos por aí. Eu, hein.
A expectativa com o novo exame é que os
celíacos possam reverter o problema em tempo em vez de descobrir, às vezes à
beira da morte, que seu sistema digestório não presta mais para muita coisa.
Além de conhecimento acumulado, O’Bryan tem
motivos dolorosos para viajar pelo mundo falando do glúten para outros médicos.
Essa história Tom me contou em particular, durante um café após a palestra.
Disse ele que sua madrinha, a tia Emily, já na maturidade, voltava sempre do
médico com uma boa notícia e uma recomendação: “A senhora está saudável como um
cavalo, mas por favor pare de beber”, dizia o médico dela. E ela se enfezava, pois não bebia nada. “Essa
era a piada da família”, diz Tom. Até nas festas de fim de ano a tia Emily brindava
com uma taça de água, então não entendia por que seus exames mostravam uma
alteração nas enzimas hepáticas típica de quem bebe demais.
O’Bryan explica que uma elevação das
enzimas hepáticas indica que células do fígado estão morrendo. Mas, como não
havia sintomas, os médicos não pediam tratamento nenhum.
Alguns anos passaram com o mesmo tipo de
conversa desencontrada com o médico, até que certa vez, com 82 anos, de repente
a tia Emily foi hospitalizada com uma dor no estômago e um sangramento no
fígado. Apenas 4% do fígado estava funcionando. “Todo o sangue do corpo passa
pelo fígado”, explica Tom. “Na tia Emily, 100% do sangue estava passando por
apenas 4% do fígado.” Daí o sangramento. A explicação dos médicos para o
episódio repentino era que “essas coisas acontecem.” “Tommy”, como O’Bryan era chamado pelos
colegas, tentou sugerir exames específicos para a doença celíaca, mas não foi
ouvido.
O’ Bryan esperava que seus colegas
estivessem mais atentos ao tema. A revista Hepatology
havia publicado um artigo em 2008 dizendo que a elevação nas enzimas hepáticas
poderia ser a única manifestação da doença celíaca.
No fim de oito semanas, tia Emily tinha passado por seis cirurgias. Então o médico do hospital veio dizer que já não havia mais o que
fazer. Quem sabe a velha vivesse mais duas semanas, talvez mais dois meses,
repousando em casa.
O’ Bryan foi visitar a madrinha e
aproveitou para tirar-lhe uma amostra de sangue. Valendo-se de sua credencial
médica, conseguiu uma análise laboratorial e comprovou a suspeita: doença
celíaca. Poderia haver outras explicações para seu problema além da
intolerância ao glúten, mas Tom acreditava que sem o glúten ela pelo menos se
sentiria melhor por algum tempo. Pediu a colaboração dos demais familiares e,
dali para frente, ninguém mais na casa comeu nada que tivesse glúten. Aprenderam
a comer de outro jeito.
Apesar do seu estado lastimável causado
pela cirrose, tia Emily passou a participar mais das conversas familiares e
tornou-se mais espiritualizada. Um ano e meio depois, deram adeus à matriarca,
não sem que antes ela pedisse ao afilhado que levasse sua mensagem aos demais.
É o que Tom veio fazer no Congresso, e é o
fez comigo enquanto contava sua história emocionante. Agora só me resta
pesquisar melhor o assunto e compartilhar com vocês o que eu encontrar.
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