Outro dia chegou à redação da ÉPOCA, em
meu nome, uma torta doce para eu experimentar. Tratava-se de uma
cortesia do fabricante, coisa de assessoria de imprensa, na expectativa
de que o jornalista se interesse em escrever a respeito. Era um tipo de
torta de ótima aparência, em tamanho razoável para consumo individual,
parecida com algumas que eu já havia comido por aí. A diferença é que
vinha dentro de uma embalagem de papelão, com todas as informações
necessárias, para ser vendida em supermercados.
Examinei a embalagem e encontrei a tabela de composição nutricional. Foi
a hora do espanto. Aquela torta de noz pecã, aparentemente saborosa,
tinha mais de 800 calorias e 71% de gordura.
Procurei
saber de onde vinha tanta gordura e a lista de ingredientes me sugeriu
que a responsável era a manteiga, o único item gorduroso além da noz.
Aquilo devia ser feito com uma xícara inteira de manteiga, socorro. Era
demais para meu apetite. Por mais que seu aspecto desejável pudesse me
causar tentações, eu não tinha coragem de pôr para dentro tantos gramas
de gordura de uma vez só.
Rejeitei o presente e o
larguei num canto qualquer, à disposição de quem quisesse comer gordura
voluntariamente. E me lembrei das vezes em que comi tortas parecidas
como aquela, em lanchonetes de shopping, sem supor que poderiam ser
bombas tão calóricas. Se eu soubesse que podiam ser tão nutricionalmente
desequilibradas, não teria comido. Me senti um tanto ingênua. Mas
também injustiçada. Eu não tinha como adivinhar o conteúdo da torta, não
podia deduzir como era feita, não conhecia o autor da receita. Aliás,
não poderia nem mesmo saber se tinha comido tortas igualmente gordas ou
versões mais magras do que a que recebi da redação.
Por enquanto, as lanchonetes não são obrigadas a fornecer informação
nutricional sobre o que vendem. Somente os produtos embalados têm essa
exigência, segundo uma resolução de 2003 que obrigou todos os
fabricantes de alimentos e bebidas a incluir em suas embalagens a lista
completa de ingredientes e a tabela nutricional. Mesmo as padarias
dentro dos supermercados têm de imprimir etiquetas para seus pedaços de
bolo vendidos por peso. Mas, na ausência de embalagem, a gente fica no
escuro, sem saber o que está comprando.
Encontrei na internet uma lista de projetos de lei, propostos por vários
deputados, destinados a obrigar estabelecimentos de alimentação a
melhorar a comunicação do conteúdo nutricional de seus produtos à
clientela. Encontrei também artigos de gente do setor de bares,
lanchonetes e restaurantes criticando essas iniciativas, pois para
informar os dados nutricionais de cada um de seus produtos os
estabelecimentos precisariam gastar dinheiro com a contraração de um
nutricionista.
Enquanto ninguém é obrigado a
fazer nada, cada um age como acha melhor. Algumas redes de fast food já
abriram o jogo sobre o teor calórico de seus lanches, seja nas suas
páginas na internet, nos cardápios, impressos no verso dos jogos de mesa
ou em etiquetas dentro da vitrine. Aí cabe ao freguês se interessar
pela informação disponível e examiná-la.
Nos
estabelecimentos que ainda não dão essa canja, a gente continua tendo de
adivinhar tudo. Ou encher o balconista de perguntas e conseguir o
máximo de respostas objetivas, precisas e confíáveis. Eu, que sou
intolerante à lactose e parei de comer quase todo tipo de laticínio,
tenho de perguntar sempre se determinado item do cardápio contém algum
ingrediente derivado do leite. “Tem creme de leite? Queijo? Leite? Tem
certeza? Pode confirmar na cozinha, por favor?” É bem chato, na verdade.
Tanto para mim quanto para o balconista, que perde tempo nesse
vai-e-vem. Mas, se a informação não vem até mim – na forma de lista de
ingredientes e tabela nutricional – eu tenho de ir até ela de alguma
forma.
Uma alternativa para questionadores como eu é a Tabela Brasileira de Composição dos Alimentos,
desenvolvida pela Unicamp e publicada na internet. Ela pode ser
acessada por qualquer pessoa ou empresa, gratuitamente. Trata-se de uma
lista gigantesca de alimentos, de frutas in natura a feijoada,
acompanhada de todas as informações nutricionais importantes sobre cada
item. Ali eu encontrei, por exemplo, quantas calorias estão presentes em
100 gramas de acarajé. A nutricionista Renata Padovani, autora da
tabela, me explicou que para chegar a esses números a equipe busca
receitas regionais em diferentes estabelecimentos e estabelece uma
média. Portanto a tabela não é universal. Mas serve de parâmetro,
inclusive para os estabelecimentos que quiserem mostrar aos clientes de
quantos gramas de proteína, carboidrato e gordura é feito o seu acarajé.
A TACO é um projeto permanente que começou em
1996. Desenvolvida com verba do governo federal (nosso suado
dinheirinho), ela é baseada na lista dos alimentos mais consumidos pelo
brasileiro, que por sua vez é gerada pela Pesquisa de Orçamentos
Familiares (POF), do IBGE (Instituto Brasileito de Geografia e
Estatística). Por isso a feijoada e o acarajé estão ali, mas a torta de
noz pecã, não. Segundo a nutricionista Renata, à medida que a indústria
desenvolve compostos novos, a pesquisa cresce. Sempre com a conhecida
limitação de verba.
Por
causa dessa limitação de verba, a tabela estabelece valores
nutricionais para tipos de produtos, e não para marcas de produtos. Ou
seja, na hora de analisar a composição de uma bolacha de água e sal, são
comprados pacotes de bolacha de várias marcas. Elas são misturadas e o
conjunto é analisado. Daí sai um número que representa a média das
bolachas da categoria água e sal. Futuramente, diz Renata, espera-se que
o governo libere mais dinheiro para analisar marca por marca. A partir
daí, a tabela poderia servir também como instrumento de fiscalização.
Por enquanto, os fabricantes imprimem em suas embalagens a tabela que
quiserem, e não há ninguém muito de olho para dizer se as informações
são verdadeiras.
Essa preocupação em torno das
informações nutricionais ainda é muito nova no Brasil. Tanto é que a
resolução que obriga a indústria a nos contar tudo é de 2003, e é mais
recente ainda a legislação que inclui o percentual de gordura trans nas
embalagens. O consumidor está aprendendo aos poucos a buscar essas
informações, e ainda deve levar mais um tempo para aprender a exigir. É
uma questão de insistir na criação de uma nova cultura. Tudo começa com o
primeiro passo.
(Originalmente publicado em www.epoca.com.br)
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