Na relação com amores, familiares e chefes, o lugar da atividade física deve estar garantido
A maioria das pessoas que ainda não
adotaram uma prática regular de exercícios provavelmente conhece bem o
conjunto de obstáculos ao cumprimento dessa meta. A principal é a falta
de tempo. Afinal, a gente trabalha o dia todo, perde tempo no trânsito
(ao menos nas grandes cidades), tem de passar no supermercado, preparar o
jantar, dar banho nas crianças, assistir ao jornal, dar atenção ao
cônjuge... Ou então estudar, encontrar os amigos no happy hour, sair com
o namorado (ou a namorada), levar o cachorro para passear... Quando é
que sobra tempo para o exercício, não é mesmo?
A questão é
que não deve mesmo sobrar tempo para o exercício. Se a gente não
reserva e protege um tempo sagrado para ele, restará ao nosso corpo
sempre o último lugar entre nossas prioridades. Prioridades?
Eu
me vejo como uma espécie de religiosa fanática quando o assunto é minha
assiduidade na academia. Desde que comecei a me exercitar, na
adolescência, mantenho a certeza de que fazer algum tipo de atividade
que melhore meu corpo no mínimo três vezes por semana é tão essencial
quanto me alimentar diariamente, tomar banho ou escovar os dentes. Não
fazer meus exercícios é, para mim, tão abominável, desconfortável e
nocivo quanto não almoçar. Ok, os sintomas adversos de não almoçar, não
tomar banho e não escovar os dentes são certamente mais desagradáveis no
curto prazo do que deixar de ir uma vez na academia. Se eu não comer um
almoço, ficarei com dor de estômago e de cabeça quase que
imediatamente. Se não tomar banho ou não escovar os dentes, ficarei
fedendo e incomodarei meus colegas no dia seguinte. Mas, se adiar o
exercício uma vez só, nada irá me acontecer de perceptível. Certo.
Agora, acompanhe meu raciocínio.
Comer, tomar banho e
escovar os dentes são hábitos que se espera que todo mundo repita todos
os dias e que a gente só deixe de repetir em caráter estritamente
excepcional, não? Nenhuma pessoa que goste de você deseja que você passe
fome ou cheire mal. Mas veja só como, em relação a sua rotina de
exercícios, a coisa muda.
Se você disser ao seu chefe que
vai entregar o relatório logo depois do almoço (e de escovar os
dentes), é grande a probabilidade de ele concordar. Já se você disser
que vai entregar só depois de uma cervejinha com os amigos, é bem
possível que ele fique uma onça, lhe despeje uma bronca e mande você
entregar o relatório antes. Ouse você dizer que vai entregar o relatório
mais tarde porque antes tem uma aula de natação e verifique qual
resposta virá. Desconfio que será uma bem mais parecida com a resposta
do happy hour do que com a do almoço.
E olha que isso não
acontece só no trabalho. Eu já tive mais de uma briga com o namorado
por causa da minha insistência em manter a disciplina e pular cedo da
cama para malhar. "O quê? Você vai pra academia amanhã? Mas não nos
vimos a semana toda..." As relações de amor também entram na lista da
nossa falta de tempo para o exercício. Nossos amados e nossos amigos
querem atenção, assim como nossos chefes querem trabalho pronto. E qual é
a solução? Abrir mão do sagrado cuidado ao corpo e ceder sempre aos
anseios do outro ou bater o pé e comprar a garantia de que o horário
escolhido para o exercício será respeitado não apenas por você, mas também por quem está ao seu redor.
Essa conta
não é simples, e o preço pode não ser baixo. Quando aceitamos o namoro,
prometemos dar atenção e isso nos é cobrado. Quando aceitamos o
emprego, prometemos produtividade e pontualidade, e isso nos é cobrado.
Como então reivindicar que parte do tempo que me pertence possa ser
reservado ao meu autocuidado e não totalmente cedido àqueles com quem me
relaciono, afetiva ou profissionalmente?
A solução, me
parece, é negociar antes. Ainda que não explicitamente, é preciso
estabelecer, na entrevista de emprego e nas declarações de amor, que
haverá parte de seu tempo que não poderá ser cedido, pois já está
ocupado por sua dedicação à própria saúde, à beleza, ao descanso.
Afinal, da saúde depende todo o resto, e você não pode abrir mão dela.
Não
se trata de jogar as responsabilidades para o alto nem de negar a
retribuição a quem nos dá carinho. Trata-se apenas de preservar algo que
nos pertence.
(Originalmente publicado em www.epoca.com.br)
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