14 de jan. de 2010

O corpo analfabeto

Será que a malhação é mesmo a melhor maneira de aprender a se mexer?


Como eu vivo repetindo aqui, sou uma frequentadora de academias de ginástica de longa data. Mas, em alguns aspectos, ainda me considero uma iniciante. E isso me preocupa. Não que eu ache que deveria saber tudo e executar todos os movimentos perfeitamente. Mas me parece que pelo menos os movimentos mais adequados para o meu corpo eu deveria conhecer, sim. Todo mundo deveria saber isso de si mesmo. Por que não nos ensinam?


Algumas semanas atrás, abordei nesta coluna o jeito certo de fazer alongamento. Quando entrevistei a professora e ela me mostrou, no meu corpo, em que eu andava errando, me surpreendi. Como assim, depois de tanto tempo praticando, eu não conhecia os movimentos certos? Por que não haviam me ensinado a alongar daquela forma desde o começo, 17 anos atrás, e repetidamente ao longo desses anos todos?

Mais questionamentos se sucederam. Recentemente, descobri uma lesão nos joelhos. Sinto dor quase diariamente. O médico me disse que era inevitável não ter nenhum problema nas articulações com tanta atividade física. Como? Mas nem sou atleta. Sempre me exercitei visando a saúde, qualidade de vida, manutenção da musculatura... Alguma coisa eu devo ter feito de errado. Será que peguei peso demais em algum período? Será que foram aqueles dez quilômetros que corri sem preparo, incentivada por gente da academia, dez anos atrás?

Na semana passada, resolvi experimentar uma aula de ginástica relativamente nova. Eu fiz muita ginástica até os vinte e poucos anos, depois larguei e fiquei só na musculação. Perdi o costume e estranho muito quando volto à sala de aula e me submeto àquela espécie de macaquice do professor. Bem, a aula era mais ou menos coreografada. Três vezes por semana, a mesma aula, igualzinha. Os alunos fazendo o mesmo exercício ao mesmo tempo, só variando a intensidade conforme a resistência de cada um. E eu era uma novata. Tive aquela sensação desconfortável que desconfio que todo novato tem na primeira aula de qualquer coisa. Não conhecia os movimentos, não sabia o jeito certo de posicionar o corpo, não sabia direito a carga que deveria usar. O professor me dava instruções, mas ele não podia parar a aula para me mostrar tudo com calma. Eu deveria pegar o ritmo com o tempo.

Congelemos essa cena. Ponha-se no meu lugar um novato ainda mais novato, alguém que esteja chegando agora ao mundo do suor, que não tenha muita noção ainda de onde está ou como contrair sua musculatura abdominal. Ele estará bem mais perdido do que eu. Ele estará tentando flexionar os dois cotovelos para trabalhar o peitoral, mas estará se esquecendo de ajeitar o quadril e os pés e sua coluna estará torta. É preciso pegar o ritmo da aula, porque a aula é assim, coletiva e ágil. Ele quer fazer essa aula porque quer entrar em forma... rápido.

Como estará esse cidadão hipotético daqui a um ano? Terá ele aprendido a posicionar sua coluna vertebral? Ou daqui a 17 anos vai machucar a lombar porque ainda não consegue contrair corretamente a musculatura abdominal na hora de carregar peso?

Minha questão central é até que ponto as aulas coletivas de ginástica, ministradas nesse ritmo coreografado muito comum hoje em dia, são um bom começo. Fiquei com a impressão de que não são. No meu ver, elas favorecem os vícios de movimento e deixam de lado a verdadeira educação física – aquela que se propõe a ensinar o que cada pessoa pode e deve fazer com seu corpo em nome da saúde e do bem-estar.

Imagino que quem chega à academia depois de um longo período de sedentarismo está com o corpo analfabeto. Precisa aprender o be-a-bá de si mesmo para começar a sair do lugar. Perceber, passo a passo, de qual trabalho é capaz cada pedaço do seu corpo e qual deve ser o caminho do aprendizado para avançar na performance com segurança. Sem isso, o que acontece é que multidões de pessoas que só enxergam o final do percurso – a boa forma – se jogam em ginásticas e corridas que fazem suar mas não educam os movimentos individuais.

Segundo minha observação, sem qualquer respaldo científico, o percurso usual do malhador é que ele comece na ginástica coletiva e vá refinando seu interesse e seu entendimento até, depois de alguns anos, optar por um treinamento individualizado, que respeite suas características, atenda a suas necessidades e corrija os problemas músculo-articulares adquiridos. Desconfio que inverter essa ordem seria mais interessante para quem quer ser ativo a vida toda, sem dores.

(Originalmente publicado em www.epoca.com.br)

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