9 de jan. de 2012

Quem é o dono da verdade na orientação nutricional?

Em quem confiar quando o assunto é seguir dicas do que deveríamos comer?


Está rolando uma disputa de credibilidade entre as autoridades de saúde ou é impressão minha?

Em junho, conforme postado aqui, o governo americano lançou o My Plate, uma figura que se propunha a substituir a conhecida pirâmide alimentar e esclarecer de uma vez por todas para a população americana - e do mundo - como é que se faz uma alimentação saudável.

Em setembro (sorry, só fiquei sabendo hoje - mas antes tarde do que nunca), um pessoal de Harvard resolveu dar sua opinião (desfavorável) sobre o My Plate, criando um outro modelito de ilustração educativa, que eles chamaram de Healthy Eating Plate. Junto com as devidas explicações do que significa cada parte do desenho, os caras de Harvard desceram a lenha no My Plate do governo, sugerindo que este tinha sido muito leniente com o lobby da indústria de alimentos.




Eles alegam, por exemplo, que os laticínios, que o modelo governamental recomenda ingerir diariamente em porções generosas por causa do cálcio, na verdade não são assim tão indispensáveis e poderiam ser perfeitamente substituídos por outras fontes de cálcio, de preferência vegetais. E ainda acusam os laticínios de terem gordura saturada demais.

A discussão não é nova. Conheço uma legião de nutricionistas e autores que consideram o leite um verdadeiro inimigo do organismo humano e que são capazes de passar horas listando os motivos para ficar longe do leite (intolerância à lactose e alergia à proteína seriam só os males mais conhecidos). Ainda assim, permanece outra legião de profissionais de saúde que sustentam a tese de que cada caso é um caso e o leite pode ser, sim, muito bem-vindo na vida de muita gente. Não na de todo mundo, veja bem, mas na de muita gente.

Discussões nutricionais à parte, o que me chama atenção nesse ataque de Harvard ao programa governamental é o flagrante desejo - de ambas as partes e de outras tantas que poderíamos listar - de possuir o dom da verdade. Quem quer que apareça com um modelo supostamente educativo de orientação de dietas baseado em ilustrações ou iconografia simplificadora, me parece, está tentando tomar para si o direito e o poder de ditar as regras e servir de oráculo para quem procura as respostas certas.

E a quem pertence esse direito, afinal? Quem é o dono da verdade sobre nutrição e pode dizer o que devemos e o que não devemos comer a fim de ter a melhor das saúdes? O governo americano parece crer que sua autoridade é suficiente para que suas mensagens sejam críveis. A universidade de maior renome daquele país ergue a mão para dizer que não, o governo não é confiável, pois está de mãos dadas com a iniciativa privada, que por sua vez não é confiável porque tem como objetivo vender o máximo possível de seus produtos.

E terá a universidade credibilidade suficiente? Será a universidade totalmente isenta de rabos presos com empresas financiadoras de pesquisas? Qual seria a instância mais confiável de todas, em que todas as pessoas possam confiar cegamente, sem precisar ficar toda hora checando de onde tiraram o que estão dizendo e, mais importante, de onde vem o dinheiro que banca suas belas iniciativas "educativas"? A imprensa? Ahã. Os médicos? Ai, eu acho que depende. A sua avó? Pode até ser...

Espero do fundo do coração conseguir responder essas perguntas ao final do meu mestrado. Enquanto isso, continuemos de olhos bem abertos, cruzando as "novas verdades" que chegam. Stay tuned!







2 comentários:

Marcio Mancini, Endocrinologista, @drmarciomancini disse...

Não haver evidência sobre o benefício de determinado alimento em determinada doença pode acontecer simplesmente pela dificuldade do desenho experimental de um estudo. Tudo é mais difícil quando o estudo é com alimentos. Ninguém consegue ser rígido o suficiente por anos a fio para provar, por exemplo, que leite é bom para os ossos. Tomas suplementos de cálcio (mesmo em alimentos) pode ser danoso (vários estudos demonstram que cálcio suplementado pode ser prejudicial). Portanto, cálcio de fontes naturais é o melhor. Na minha opinião, que seja do leite desnatado.

@Citensp disse...

Para entendermos a discussão e suas nuances, precisamos entender o que são as Recomendações Nutricionais, as RDAs. Elas são reconhecidas como importantes índices que nos indicam os níveis ideais dos nutrientes essenciais para manter nossa saúde. O cálcio é um bom exemplo disso e tem tudo a ver com a inclusão dos laticínios nos programas que alimentação saudável. As RDAS desse mineral são de 800 a 1300mg/dia para adultos.
A partir daí, nós podemos entender a importância do leite e dos seus derivados em uma alimentação saudável. Compare as concentrações de cálcio nos principais alimentos fontes e imagine a dificuldade em montar um cardápio que alcance as recomendações do mineral diariamente sem os laticínios. Depois, siga o principal ensinamento da nutrição saudável que é compor cardápios variáveis. Nem precisa ser um profissional da Nutrição para entender isso.
300mg de cálcio em média
• 1 copo de 200ml leite
• 1 pote de 200ml iogurte
• 1 fatia de 50g de queijo
Outros alimentos fonte de cálcio, além dos laticínios
• 100g de feijão branco cozido – 90mg de cálcio
• 100g de couve manteiga crua – 145mg
• 100g de brócolis cru – 47mg
• 100g de peixes (sardinha, manjuba, traíra) – 500mg
Daí a nossa surpresa quando em setembro de 2011 a Universidade de Harvard se pronuncia contra a inclusão dos laticínios como um componente da alimentação saudável. As alegações foram o alto teor de gordura saturada e a maior incidência de câncer de próstata e ovário. Também alegaram a atuação de um lobby dos produtores de laticínios. Os argumentos são muito fracos, pois não há na indústria de alimentos nenhuma que evoluiu tanto quanto os laticínios desnatados e a gordura deixou há muito tempo de ser um problema. As pesquisas populacionais que encontraram a maior incidência de câncer não devem nortear condutas médicas, elas servem apenas para conduzir estudos de intervenção. Se formos discutir os Lobbies será muito difícil montar um Guia Nutricional. Usar leite de soja suplementado com cálcio ao invés de usar um leite desnatado e que já vem com o cálcio da própria natureza? Não seria então o lobby da soja? E olhe que ele é também poderoso!

Fazer uma dieta com couve, peixe e feijões não deixa de ser saudável, mas impraticável pela sua monotonia dos alimentos fontes de cálcio e mesmo assim não consegue alcançar as RDAs do mineral. Suplementar o cálcio? Mas isso sim, seria o absurdo frente as nossas amplas fontes naturais de cálcio nos laticínios e às evidências recentes da maior incidência de doença coronariana em pessoas que fazem essa suplementação.
Os pesquisadores da Harvard também levantaram a dúvida de que os laticínios não previnem a osteoporose. Ora, o que sabemos é que o cálcio sim, é um dos mais importantes fatores de prevenção da osteoporose. É claro que vitamina D, alimentação saudável, atividade física, genética favorável e o hormônio feminino são todos protetores. Mas não temos dúvida quanto ao papel do cálcio, uma vez que temos matriz óssea mineralizada apenas com ele. Ou será que alguém pode produzir cálcio no corpo e prescindir da ingestão do mineral? Então, não fomos submetidos a uma lavagem cerebral para acreditar que laticínios fazem bem, nós estudamos e comprovamos isso.
É claro que há a alergia à proteína do leite e que ocorre ao nascimento, mas ela geralmente desaparece com a idade. È claro que há a intolerância à lactose e ela aumenta com a idade. Mas não estamos falando sobre isso, nem sobre esses pacientes. Estamos falando de pessoas normais e que podem se beneficiar muito da ingestão do leite e derivados. Não temos nada contra as dietas vegetarianas estritas, temos muitos pacientes vegetarianos e veganos que não consomem leite e os respeitamos quando eles alegam questões ecológicas, religiosas, pessoais ou de intolerância. Entretanto, precisamos rever todos os nossos conhecimentos para aceitar a hipótese de que leite faz mal para a maioria das pessoas, pois isso não procede, ou que somos os únicos animais que ingerem leite na vida adulta, pois isso é uma absoluta falta de argumentos.