1 de fev. de 2012

Conveniência, sim. Mas com saúde junto

Delegar as tarefas essenciais da sobrevivência requer maior controle sobre a qualidade do serviço


Desde que a mulher se desgarrou da função única de esposa e dona de casa (empregada do marido, dos filhos e de si mesma), comer bem se tornou uma coisa mais complicada. Hoje, quem não tem uma ótima cozinheira em casa depende de restaurantes, serviços de entrega e produtos saudáveis disponíveis no seu bairro. Pode até parecer que já temos tudo isso, mas eu acho que é só impressão sua. Muita coisa ainda precisa melhorar.


Na minha casa, na infância, quem cozinhava era quase sempre a Ângela, a empregada que mantivemos por uns 30 anos. Minha mãe, que me fez nos anos 70 e não cozinhava muito bem, era totalmente cooptada pelo movimento feminista: trabalhava fora, fazia hora extra e na hora do almoço vinha correndo para casa almoçar conosco. Estava sempre correndo.

Para não atrasar ninguém, todo dia na hora combinada a Ângela já estava com a comida pronta em cima do fogão. Ela fazia de tudo. A limpeza e a arrumação da casa, as refeições, os horários da família inteira: muita coisa dependia dela. E a patroa, minha mãe, comandava toda essa operação para que nada fugisse ao seu controle.


A reportagem de capa da Época da semana passada nos avisa que esse tipo de empregada está entrando em extinção. Como já aconteceu na Europa há muito tempo, elas tendem a quase desaparecer num futuro próximo, rumando para ocupações profissionais mais interessantes. As que ainda existem estão ficando caras demais para as famílias brasileiras. (Deu para notar. Desde que saí da casa da minha mãe, nunca tive empregada todo dia em casa, mas a diarista que me ajuda há alguns anos hoje me cobra do dobro do que eu pagava no início.)


Sem uma ajudante disponível o tempo todo, sugere a Época, o que nos resta é fazer tudo nós mesmos ou contar com serviços especializados. Como um cozinheiro para datas especiais ou para fazer e congelar os jantares a cada duas semanas, por exemplo. Mas aí a relação de autoridade muda. Quando contratamos um serviço, não somos nós que ditamos as regras. A conveniência implica aceitar o que está disponível. E eu acho que é aí que mora o problema.


Para mim, nos últimos meses, estava muito conveniente almoçar de segunda a sexta num restaurante a quilo barato a um quarteirão e meio de casa. Em tempos de empregadas escassas e caras, os restaurantes a quilo salvam nossa vida. Em meia hora eu estava alimentada e de volta ao trabalho no home office. Acontece que a comida não estava sempre de acordo com meus parâmetros de qualidade. De uns tempos para cá, o excesso de sal se tornou insuportável. Era feijão salgado, frango salgado, até arroz integral salgado por causa das azeitonas. Reclamei várias vezes em vão, até que na semana passada resolvi abandoná-los. Até experimentei outros restaurantes baratos na região, mas de qualidade bem inferior, e aí acho que não vale a pena.


Minha alternativa mais próxima era voltar a cozinhar meu almoço. Fiz arroz na segunda, feijão na terça (o fogo fazia o seu trabalho enquanto eu fazia o meu, aqui no computador, bem perto da cozinha) e hoje arrematei com salada feita na hora, couve-flor no vapor e salmão na chapa, mais suco de uvas de duas cores com hortelã (sem açúcar, claro). Tudo exatamente como eu acho que deve ser: pouca gordura, pouco sal, tempero caseiro, suco de fruta de verdade, nenhum conservante. Cronometrei: em uma hora e pouco fiz tudo, comi e lavei a louça.

Almoço de hoje: 100% caseiro

Mas só posso fazer isso porque trabalho em casa. Ter um home office é um bom jeito de conciliar a vida profissional com as tarefas domésticas. Tem uma série de vantagens para quem trabalha no computador e poderia minimizar uma série de problemas, como aponta essa matéria da Superinteressante. Mas muita gente não pode se dar esse luxo e precisa mesmo é de conveniências.

A conveniência dos serviços e produtos prontos para o consumo da vida moderna é verdadeiramente uma mão na roda, não há como negar. A tendência é que fiquemos cada vez mais cercados de praticidade. O mercado de imóveis está apostando muitos milhões nisso, criando condomínios com todo tipo de serviço, para que os moradores não precisem sair de casa para quase nada - nem mesmo para trabalhar. Eu acho isso ótimo. Desde que essa conveniência venha acompanhada da qualidade necessária, de transparência e do respeito incondicional à nossa saúde, bem como à saúde do planeta, bem como ao bem-estar e aos direitos das pessoas envolvidas.

Então, por favor, empreendedores, criem mais serviços de alimentação bons, saudáveis, baratos e honestos para essa gente que não pode mais ter empregada, vai contratar diarista com cada vez menos frequência e não tolera mais comida feita de qualquer jeito. E permitam que os clientes confirmem facilmente o que estão consumindo. A gente pode não ter mais tempo para fazer tudo do nosso jeito, mas é preciso manter o nível de exigência sobre o que é essencial. E saúde é essencial. 

Eu não quero mais óleo de soja disfarçado de azeite de oliva num frasco de vidro genérico para temperar a salada. Eu quero azeite de oliva puro, dentro da embalagem original, ok? Não quero mais arroz temperado com caldo Knorr, Maggi, essas coisas. Quero pouco sal na comida. Não quero tanto creme de leite na carne. Não quero suco processado sendo chamado de natural. Não quero ingredientes esquisitos de food service ocultos numa comida que parece caseira. Não quero misturas obscuras sendo chamadas de sorvete. Não quero produtos lácteos coloridos sendo chamados de iogurte. Enfim... Conveniência, sim. Picaretagem, não.

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