1 de mai. de 2012

Dinheiro privado não entra

O World Nutrition foi o primeiro congresso do setor a vetar a participação da indústria de alimentos

   
Esse foi o maior orgulho dos participantes do World Nutrition Rio 2012. Foram cinco dias de palestras, oficinas, debates e propostas sem a presença de estandes ou representantes da indústria de alimentos (a não ser, talvez, alguns espiões). O evento foi quase todo bancado por instituições governamentais ou sem fins lucrativos e não precisou do patrocínio de marcas de refrigerante e outros tipos de produtos inadequados a uma dieta saudável, muito comuns em eventos científicos que debatem os problemas nutricionais da população. 


Não só a indústria foi vetada, como foi assunto de grande parte das discussões. Estabeleceu-se ali praticamente um consenso em torno da necessidade de barrar a influência dos interesses comerciais em políticas e projetos que deveriam priorizar o interesse público. Afinal, como mostra uma porção de estudos dos maiores especialistas na área, quando a indústria está no meio, muito frequentemente os valores de troca se sobrepõem aos valores de uso de seus produtos. 

Essa influência pode acontecer de diversas formas. Por exemplo, lobistas do setor privado "compram" deputados para que estes votem contra determinado projeto de lei desfavorável aos seus lucros (por exemplo, a regulação da publicidade de alimentos). Ou então cientistas financiados pelo setor privado publicam e defendem pesquisas que "inocentam" determinados produtos, como por exemplo os adoçantes nos refrigerantes ou a maionese. Ou então profissionais de saúde recebem presentinhos do setor privado e são sutilmente constrangidos a não atacar suas práticas. Ou ainda as agências internacionais (como a OMS) e as ONGs recebem financiamento privado para realizar suas pesquisas, campanhas e projetos superimportantes, já que não têm outras fontes gordas de recursos, sendo que em alguns casos as empresas financiadoras podem escolher quais projetos irão priorizar. E por aí vai. 

Por ter somas de dinheiro que ninguém mais tem, o setor privado terá sempre mais recursos que as agências, os cientistas ou os governos para defender suas vendas e seus lucros, e o farão não importando se o consumo frequente de seus produtos é péssimo para a saúde. Que eles façam isso por meio da publicidade já é bastante questionável. Que eles façam isso por meio de políticas públicas e projetos de organizações "do bem" é absolutamente inaceitável.

Não aceitar que os valores de troca se sobreponham à saúde significa dizer ao poder público, às agências, às ONGs, às universidades, aos institutos de pesquisa e aos órgãos de fomento que você não quer que o destino da alimentação seja decidido por quem tem como objetivo principal lucrar (mesmo sobre a engorda e o adoecimento das pessoas), e não alimentar adequadamente a população e promover sua saúde. Quem fabrica e vende junk food quer lucrar e claramente não está priorizando a boa nutrição dos consumidores. Logo, não deveria estar de mãos dadas com quem diz querer defender a boa nutrição e a saúde pública.

Não aceitar tal conflito de interesses - comum no mundo todo atualmente - significa desconfiar de quem se associa a essas empresas para dizer ao consumidor o que faz bem comer. Inclua-se aí a mídia, por favor, e você verá o quanto o mundo está contaminado com essa inversão de valores em nome do lucro e em detrimento da saúde e das culturas alimentares de todos os povos.

A fim de blindar pelo menos as agências internacionais, participantes do congresso circularam essa moção na imagem abaixo, pedindo que elas criem um código de ética para evitar os conflitos de interesses. Você assinaria?




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