30 de ago. de 2011

Alienação corporal e o preconceito muscular



Terminei a leitura do livro Estética e Saúde, da Marília Coutinho no domingo e ontem li a reportagem da querida Jeanne Callegari na revista Vida Simples: Corpo, ilustre desconhecido. A Jeanne se inspirou no livro da Marília para escrever sua necessária matéria. A mensagem é a seguinte: vivemos numa sociedade que estimula a alienação do corpo, como se ele fosse algo à parte da nossa pessoa, e como se apenas o que é do campo da mente fosse verdadeiramente importante.


Marília fala do preconceito contra os músculos e da oposição cultural entre “intelectual” ou “inteligente” e “musculoso” ou “forte”. Como se ser inteligente fosse nobre e ser forte fosse coisa de gente xucra. Mas, veja, Marília é campeã de levantamento de peso e tem um pós-doc nas costas. Burra? Fútil? Nem pensar. Segundo a leitura que fiz do livro, ela fala também da inveja que as mulheres gordas e envelhecidas têm das mulheres de aparência mais jovem e de carne dura, quando nossa cultura ensina a mulher a ignorar seu corpo desde criança – e deixá-lo engordando e envelhecendo à própria sorte.

A pensata da Marília vai longe, dando inúmeros exemplos de como nossa vida está formatada por instituições que desvalorizam o corpo – e, em última análise, nos tornam doentes. É interessante demais para você não ler direto da fonte, mas faço questão de citar um trecho que chacoalhou meus pensamentos.

“A profissão dominante na área da saúde é a Medicina e, nela, a Cardiologia. (...) Quando, muito recentemente (no pós-guerra), os cardiologistas começaram a enfatizar prevenção e olharam pela primeira vez para a atividade física, apenas o fizeram para as atividades aeróbias. O motivo parece óbvio: porque essas atividades são as que exibem uma relação mais direta com respostas cardiovasculares. (...) Hoje sabemos que o treinamento de força é mais relevante para prevenção e tratamento de desordens cardiovasculares que os exercícios aeróbios – há evidência experimental para isso. Minha opinião é que ela não foi enfocada antes porque a força, como capacidade funcional, é tão desprezada pela medicina como todo o “pacote” que envolve o desenvolvimento da musculatura.”

Eu acredito mesmo que exista uma boa dose de preconceito contra os músculos, embora não entenda de onde ele vem. Nunca ouvi de um médico nada a respeito de ter músculos maiores ou mais fortes. Mas todos eles ouvem meus batimentos cardíacos e tiram minha pressão no consultório. Flacidez por acaso não é fator de risco para doenças? É claro que é. Flacidez muscular, aqui declaro eu neste momento, é fator de risco para dores nas costas, problemas sérios de coluna, incontinência urinária, lesões articulares e mais um monte de problemas de saúde muito comuns em adultos não idosos, porque está intimamente ligada à postura. Postura ruim, caro leitor, você sabe, é caminho certo para dores crônicas. Mas quando médico diz “atividade física”, está pensando essencialmente no seu coração. E diz que uma caminhadinha resolve.

Pertenço à geração que cresceu influenciada pela Madonna, o maior ícone pop feminino já construído pela indústria fonográfica. Para mim, Madonna não foi e não é tão boa cantando quanto foi mostrando ao mundo quão interessante e poderosa uma mulher se torna quando sabe explorar e usar seu corpo em benefício próprio. Por “benefício”, não me refiro à grana que ela ganhou dançando eroticamente nos videoclipes, mas à liberdade que ela jogou na nossa cara. Para começar, ela nos surpreende desde os anos 90 por ter músculos muito evidentes no corpo todo. Que mulher antes dela fez fama com um corpo assim?

No meu ver, Madonna não nos ofereceu meramente um novo padrão estético. Ela nos presenteou com uma nova maneira de enxergar o próprio corpo, e de lidar com ele. Madonna ajudou a tornar a ioga pop quando disse ao mundo que fazia horas de ioga forte por semana. Mostrou que musculação tornava o corpo da mulher mais sexy, e não masculinizado. E tornou-se poderosa também por se diferenciar da massa de mulheres submissas aos valores vigentes. Olha eu aqui de novo trazendo o tema do poder. Madonna faz o que todas nós gostaríamos de ser capazes de fazer quando o desejássemos: mudanças sucessivas de visual, movimentos atléticos, dança sensual e sexo desimpedido incluídos. Ela é dona desse corpo de uma maneira que a maioria das mulheres não é. Pois a maioria ainda delega os poderes sobre seu corpo a outras pessoas.

E não me refiro aos maridos. O grande erro feminino – e masculino também – é esperar que as respostas venham de fora, quando é o próprio corpo quem diz do que precisa. O médico, o professor de educação física, a nutricionista, esses nos ajudam a decodificar o que o corpo está dizendo, mas deveria ser nossa a função de ouvi-lo primeiro. A função de perceber quando a postura está uma vergonha, de se policiar quando a alimentação escolhida está  nos desequilibrando, de intensificar os exercícios e retomar o prumo quando o corpo está mole, de relaxar quando a tensão tomar conta, de rever as decisões tomadas quando o desânimo ou a raiva se apoderam dos pensamentos e dos gestos, de buscar os estímulos necessários para nos desenvolvermos em tudo que é importante para nós, como indivíduos. Só quem busca conhecer o próprio corpo pode conhecer-se por inteiro - e mudar quando quiser.


E você, o que pensa disso tudo? E que movimentos anda fazendo em prol dessa integração do corpo? Escreva!

Um comentário:

Marilia Coutinho disse...

E o corpo diz um monte de coisas, o tempo todo. Bola dentro, Fran! E muito obrigada pela leitura crítica - não faz sentido a gente escrever se a gente não é lida.