Terminei a leitura do livro Estética e Saúde, da Marília Coutinho no domingo e ontem li a reportagem da querida Jeanne Callegari na revista Vida
Simples: Corpo, ilustre desconhecido. A Jeanne se inspirou no livro da Marília para escrever sua necessária matéria.
A mensagem é a seguinte: vivemos numa sociedade que estimula a alienação do
corpo, como se ele fosse algo à parte da nossa pessoa, e como se apenas o que é
do campo da mente fosse verdadeiramente importante.
Marília fala do preconceito contra os
músculos e da oposição cultural entre “intelectual” ou “inteligente” e
“musculoso” ou “forte”. Como se ser inteligente fosse nobre e ser forte fosse
coisa de gente xucra. Mas, veja, Marília é campeã de levantamento de peso e tem
um pós-doc nas costas. Burra? Fútil? Nem pensar. Segundo a leitura que fiz do
livro, ela fala também da inveja que as mulheres gordas e envelhecidas têm das
mulheres de aparência mais jovem e de carne dura, quando nossa cultura ensina a
mulher a ignorar seu corpo desde criança – e deixá-lo engordando e envelhecendo
à própria sorte.
A pensata da Marília vai longe, dando inúmeros
exemplos de como nossa vida está formatada por instituições que desvalorizam o
corpo – e, em última análise, nos tornam doentes. É interessante demais para
você não ler direto da fonte, mas faço questão de citar um trecho que chacoalhou
meus pensamentos.
“A profissão dominante na área da saúde é a Medicina e, nela, a
Cardiologia. (...) Quando, muito recentemente (no pós-guerra), os
cardiologistas começaram a enfatizar prevenção
e olharam pela primeira vez para a atividade física, apenas o fizeram para as
atividades aeróbias. O motivo parece óbvio: porque essas atividades são as que
exibem uma relação mais direta com respostas cardiovasculares. (...) Hoje
sabemos que o treinamento de força é mais relevante para prevenção e tratamento
de desordens cardiovasculares que os exercícios aeróbios – há evidência
experimental para isso. Minha opinião é que ela não foi enfocada antes porque a
força, como capacidade funcional, é tão
desprezada pela medicina como todo o “pacote” que envolve o desenvolvimento da
musculatura.”
Eu acredito mesmo que exista uma boa dose
de preconceito contra os músculos, embora não entenda de onde ele vem. Nunca
ouvi de um médico nada a respeito de ter músculos maiores ou mais fortes. Mas
todos eles ouvem meus batimentos cardíacos e tiram minha pressão no consultório.
Flacidez por acaso não é fator de risco para doenças? É claro que é. Flacidez
muscular, aqui declaro eu neste momento, é fator de risco para dores nas costas,
problemas sérios de coluna, incontinência urinária, lesões articulares e mais
um monte de problemas de saúde muito comuns em adultos não idosos, porque está
intimamente ligada à postura. Postura ruim, caro leitor, você sabe, é caminho
certo para dores crônicas. Mas quando médico diz “atividade física”, está
pensando essencialmente no seu coração. E diz que uma caminhadinha resolve.
Pertenço à geração que cresceu influenciada
pela Madonna, o maior ícone pop feminino já construído pela indústria fonográfica.
Para mim, Madonna não foi e não é tão boa cantando quanto foi mostrando ao
mundo quão interessante e poderosa uma mulher se torna quando sabe explorar e usar
seu corpo em benefício próprio. Por “benefício”, não me refiro à grana que ela
ganhou dançando eroticamente nos videoclipes, mas à liberdade que ela jogou na
nossa cara. Para começar, ela nos surpreende desde os anos 90 por ter músculos
muito evidentes no corpo todo. Que mulher antes dela fez fama com um corpo
assim?
No meu ver, Madonna não nos ofereceu meramente
um novo padrão estético. Ela nos presenteou com uma nova maneira de enxergar o
próprio corpo, e de lidar com ele. Madonna ajudou a tornar a ioga pop quando disse ao mundo que fazia horas de ioga forte por semana. Mostrou que musculação tornava o corpo da mulher mais sexy, e não masculinizado. E tornou-se poderosa também por se
diferenciar da massa de mulheres submissas aos valores vigentes. Olha eu aqui
de novo trazendo o tema do poder. Madonna faz o que todas nós gostaríamos
de ser capazes de fazer quando o desejássemos: mudanças sucessivas de visual, movimentos atléticos, dança sensual e sexo desimpedido
incluídos. Ela é dona desse corpo de uma maneira que a maioria das mulheres não
é. Pois a maioria ainda delega os poderes sobre seu corpo a outras pessoas.
E não me refiro aos maridos. O grande erro
feminino – e masculino também – é esperar que as respostas venham de fora,
quando é o próprio corpo quem diz do que precisa. O médico, o professor de
educação física, a nutricionista, esses nos ajudam a decodificar o que o corpo
está dizendo, mas deveria ser nossa a função de ouvi-lo primeiro. A função de
perceber quando a postura está uma vergonha, de se policiar quando a alimentação
escolhida está nos desequilibrando, de
intensificar os exercícios e retomar o prumo quando o corpo está mole, de
relaxar quando a tensão tomar conta, de rever as decisões tomadas quando o desânimo
ou a raiva se apoderam dos pensamentos e dos gestos, de buscar os estímulos
necessários para nos desenvolvermos em tudo que é importante para nós, como
indivíduos. Só quem busca conhecer o próprio corpo pode conhecer-se por
inteiro - e mudar quando quiser.
E você, o que pensa disso tudo? E que movimentos anda fazendo em prol dessa integração do corpo? Escreva!
Um comentário:
E o corpo diz um monte de coisas, o tempo todo. Bola dentro, Fran! E muito obrigada pela leitura crítica - não faz sentido a gente escrever se a gente não é lida.
Postar um comentário